terça-feira, 13 de junho de 2017

De amor ou por amor (não) se morre

Tem os olhos da Bette Davis e a beleza da Audrey Hepburn. Escondeu-se do mundo, no seu refúgio, como a Greta Garbo. Embora este refúgio não seja  NY nem as montanhas suiças. A vida não lhe tem sido fácil. Foi deixada. Como se reage a ser-se trocada, quando a dependência era tanta, mas não se tinha consciência? Nada é sentido até ser provado.

O tempo passa. Ninguém morre de amor ou por amor, dizem-lhe. Começou a levantar-se, aos poucos, da cama. Começou a sair à rua. Passou a dormir de noite e não de dia. Começa a ir trabalhar. Começa a ultrapassar. Começa a gargalhar. Riso sincero. Está feliz, de verdade. Por um instante. Aqueles instantes que parecem durar uma eternidade. Tudo, por agora. Muito. Luta todos os dias contra a depressão. Ri muito, publicamente. Chora, sozinha, na solidão do quarto. Não exibe a sua tristeza. Disfarça-a parecendo bem. Sempre em guerra permanente consigo própria. Não esmorece. Parece o ponto de apoio de Arquimedes. O Cabo da Roca. Não se queixa. Não é desagradável. Não é cruel. Não magoa ninguém. Não se tornou amarga, apesar de tudo. Todos os dias pensa em matar-se. Pensa nos pormenores. Uma morte catártica. Atirar-se de uma ponte. Atirar-se de uma janela. Atirar-se de um telhado. Ou um suicídio anónimo, daqueles que nunca se saberá se foi um erro ou uma chamada de atenção a tempo de ser salva. Deixar-se adormecer, eternamente, com uma série de comprimidos certos e com concentrações correctas, sem margem para erros. Afogar-se numa banheira. Cortar longitudinalmente as artérias radiais até esvair-se em sangue. Sentar-se numa cadeira e dar um tiro, que pode falhar. Enforcar-se. Ou combinações destas, para (tentar) não falhar. Mas depois pensa no tempo que isso demora. Pensa na beleza das pequenas coisas. E no sofrimento dos últimos momentos. E se alguém a encontra antes do ponto final. No medo do desconhecido. Nas coisas que ficarão por dizer e por explicar. Na culpa dos outros e no que isso lhes provocará. E no que estará por vir. E o que virá depois desta realidade. E desiste.

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