Tem os olhos da Bette
Davis e a beleza da Audrey Hepburn. Escondeu-se do mundo, no seu refúgio, como
a Greta Garbo. Embora este refúgio não seja
NY nem as montanhas suiças. A vida não lhe tem sido fácil. Foi deixada.
Como se reage a ser-se trocada, quando a dependência era tanta, mas não se
tinha consciência? Nada é sentido até ser provado.
O tempo passa. Ninguém
morre de amor ou por amor, dizem-lhe. Começou a levantar-se, aos poucos, da
cama. Começou a sair à rua. Passou a dormir de noite e não de dia. Começa a ir
trabalhar. Começa a ultrapassar. Começa a gargalhar. Riso sincero. Está feliz,
de verdade. Por um instante. Aqueles instantes que parecem durar uma
eternidade. Tudo, por agora. Muito. Luta todos os dias contra a depressão. Ri
muito, publicamente. Chora, sozinha, na solidão do quarto. Não exibe a sua tristeza.
Disfarça-a parecendo bem. Sempre em guerra permanente consigo própria. Não
esmorece. Parece o ponto de apoio de Arquimedes. O Cabo da Roca. Não se queixa.
Não é desagradável. Não é cruel. Não magoa ninguém. Não se tornou amarga,
apesar de tudo. Todos os dias pensa em matar-se. Pensa nos pormenores. Uma morte catártica. Atirar-se de uma ponte. Atirar-se de uma janela. Atirar-se de um telhado. Ou um suicídio anónimo, daqueles que nunca se saberá se foi um erro ou uma chamada de atenção a tempo de ser salva. Deixar-se adormecer, eternamente, com uma série de comprimidos
certos e com concentrações correctas, sem margem para erros. Afogar-se numa banheira. Cortar longitudinalmente as artérias
radiais até esvair-se em sangue. Sentar-se numa cadeira e dar um tiro, que pode falhar. Enforcar-se. Ou combinações destas, para (tentar) não falhar. Mas depois pensa no tempo que isso
demora. Pensa na beleza das pequenas coisas. E no sofrimento dos últimos
momentos. E se alguém a encontra antes do ponto final. No medo do desconhecido. Nas coisas que ficarão por dizer e por explicar. Na culpa dos outros e no que isso lhes provocará. E no que estará por vir.
E o que virá depois desta realidade. E desiste.
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