Todos os aniversários lembra-se
que nasceu às 31 semanas, com um gémeo e com pouco mais de 1000 gramas. Todos
os anos lembra-se, particularmente nesse dia, que a mãe ficou sem tocá-la durante quase um mês em
que esteve na incubadora. A mãe recusara-se a vê-la (só) do vidro. A única vez
que o fez sentiu-se a morrer por dentro porque, ao contrário das outras mães,
não podia amamentar os filhos, encostá-los, cuidá-los, mimá-los, mudar-lhes as
fraldas. Nada a não ser olhá-los pelo vidro. O pai ia todos os dias entregar o
leite que a mãe tirava. Não durou muito porque até isso o desgosto lhe levou.
Depois disso levou-lhe a fome, a alegria, o sono, tudo. Quando os filhos
voltaram para casa pesava menos do que antes de engravidar. Até hoje a mãe fala
dessa dor inqualificável de não ter podido tocar nos filhos durante um mês. Não
houve nunca dor maior. E a filha imagina como é para um bebé ser retirado do
conforto de um útero, de ter o irmão como vizinho durante sete meses, de ouvir
a voz (conhecida) da mãe. E de ter sido alimentada e cuidada, sozinha, durante
um mês numa fria incubadora. Sobreviveu, apesar de tudo. A mãe, apesar de ter
sido sempre feliz, diz que nunca recuperou desse acontecimento.
As mães nunca se preparam para o
pior. São sempre as mais felizes, as mais optimistas, as mais alegres. Tudo o
que uma mãe quer ouvir, e se possível ver, é que está tudo bem com o seu bebé.
Como se reage quando se faz tudo certo e a natureza mfalhou? Quando se planeia e
a probabilidade de erro acontece? Quando se dá a notícia de o bebé não ser
saudável, ou como os médicos dizem, não é viável? Como se enfrenta? Como se
age? Como decidir? Não é um feto, é um filho - disse a mãe. Os médicos só lhe
queriam menorizar a dor e poupar-lhe (algum) sofrimento. Poupá-la do julgamento
moral porque o ético e o judicial estava previsto na lei. Mas como as mães
orientam-se pelo princípio de Arquimedes (“Dá-me um ponto de apoio e eu moverei
o mundo”) arranjam forças onde nem elas sabem de onde surgem. E assim, seguiu em frente,
sem vacilar, sem um minuto de arrependimento com uma gravidez que todos
apostavam para o bem de todos, que terminasse. E foi feliz, como todas as mães,
durante os 9 meses. Esteve mesmo muito feliz. Nunca seria ela a terminar o que
a natureza começou. Deixaria a natureza seguir o seu caminho. Depois,
reencontrou-se nas palavras e no apoio dos amigos. A vida deste filho não foi a que imaginou nem teve o privilégio
de o ver crescer. Mas a sua vida é tão mais que as primeiras
impressões, nas suas palavras. A vida é insondável. E sente-se grata e em paz
por todas estas vivências. No sofrimento e na alegria todas as mães parecem ser
iguais. As mães, como as árvores, morrem de pé.
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