Tarde amena, sol, céu
mais ou menos azul turquesa, leve brisa. Coimbra lá fora e calçadas pisadas por
estudantes que carregam as suas pastas e livros, muitos livros nos braços.
Nesta cidade dos estudantes e doutores já ninguém está de capa. Agora, o tempo é
de estudar porque aqui a fama é de passar (apenas) quem souber.
Só existem os registos
da memória de uma tarde de comida baiana que incluiu acarajé, abará e vatapá regado com Quinta do Carmo branco. Os sabores e ingredientes fortíssimos da
Bahia provaram não causar mal nenhum. O som não era baiano. Estes baianos de
São Salvador não mostraram saber sambar, nem balançar. Não têm pulseira de ouro.
Mas têm fita do Senhor do Bonfim, brinco de ouro, um jeitinho que Deus deu e
graça como ninguém.
O cenário será os
jardins onde (também) aconteceu uma das mais belas histórias de amor em
Portugal (Pedro e Inês). Camões eternizou-a num dos seus cantos d’ Os Lusíadas. E está inscrito junto à
Fonte dos Amores, de onde brotam as lágrimas e o sangue de Inês, até que o tempo
e a água o apaguem.
A noite cai em Coimbra,
tardia como todas perto do solstício. No anfiteatro da Colina de Camões na
Quinta das Lágrimas, a lua aparece. Ao fundo, muito ao fundo, vislumbra-se a
Universidade iluminada. Hoje não é uma lição. Hoje é apenas um concerto, Dessa vez. A cantora hoje será apenas uma
cantora e uma performer. No máximo ousará tocar o seu novo instrumento, cortar
o seu mais recente livro com as suas letras reunidas e fará uma leitura de um
poema da Adília Lopes. Para minha tristeza, não interpretará Poética do eremita. Mas mostrando a sua
generosidade, e que os artistas não estão (apenas) enclausurados no seu mundo,
e estão abertos a ele, acederá a um pedido de cantar Seu pensamento (pedidos funcionam “só se eu souber e puder
atender”).
“não é
o conhaque
nem a lua
mas o vinho
mas as promessas
que me movem como o diabo”
nem a lua
mas o vinho
mas as promessas
que me movem como o diabo”
Sarah Cohen
Aparece numa
pontualidade britânica, sem o jeitinho brasileiro e português do famoso atraso.
Dizem que chega sempre antes da hora. O traje é o mesmo vestido longo de veludo
azul marinho Gilda Midani do
espectáculo Das Rosas. Neste caso,
acrescentou-lhe um cachecol da mesma cor.
Começa e nós ainda não nos sentámos. Na primeira fila está o Ministro da
Cultura, o Presidente da Câmara e o Professor João Caraça. Temos um lago, que
torna o cenário ainda mais bonito, a separar-nos do palco. A primeira música é Esquadros uma daquelas que toda a gente
conhece e que um dia um produtor musical surpreendido pelo título, atreveu-se
a perguntar: “Você acha mesmo que uma canção chamada ES-QUA-DROS vai tocar no
rádio?”.
No concerto incluiu: Vim pra ver, Fado Tropical, um
poema musicado de Martim Codax, cantou D. Dinis e Negro amor. A pedido do Miguel Júdice cantou Nature Boy que termina com os magníficos versos: "the greatest thing you'll ever learn, is just to love and be loved in return".
Cantou as (quase
inéditas): Era pra ser "Era
pra ser canção de amor / Era o amor em versos / ... / Era pra poder ficar
eternamente no presente / O amor soprou de outro lugar / Pra derrubar o que
houvesse pela frente / Tenho que te falar / Essa canção não fala mais da
gente" cantada
por Maria Bethânia e Não demora.
Para mim, Paramgolé Pamplona, tocado assim fez
lembrar-me o primeiro concerto que vi da Adriana há 16 anos. Desta vez, teve grande ideia de colocar a peça do próprio Hélio Oiticica em palco, o parangolé "que você mesmo faz". Um adolescente vestiu um dos parangolés de cor branca, mas mostrou-se pouco feliz porque foi parco a mexer-se, quanto mais dançar. Feito este reparo, tudo foi fenomenal. A letra, a música
simples, a ideia. “O parangolé pamplona você mesmo faz... Com um retângulo de
pano de uma cor só/ E é só dançar/ E é só deixar a cor tomar conta do ar... Para
o delírio porta aberta / Pleno ar/ Puro hélio...”. Actualmente, encontra-se em exibição do Hélio
Oitica no Whitney em NY: To organize the delirium (até 1 Outubro). Quem puder não perca.
Não esqueceu os sucessos Metade, Esquadros, Mais feliz, Sem saída e Devolva-me. Ao contrário de nas aulas, neste concerto, o último em Coimbra, não cantou a mais bonita do grande poeta, filósofo (e seiu amigo), António Cicero, Inverno.
Não esqueceu os sucessos Metade, Esquadros, Mais feliz, Sem saída e Devolva-me. Ao contrário de nas aulas, neste concerto, o último em Coimbra, não cantou a mais bonita do grande poeta, filósofo (e seiu amigo), António Cicero, Inverno.
Terminou com Vambora. E no encore não se esqueceu de Fico Assim sem você, com a batida electrónica a lembrar o original de Domenico Lancellotti, e até mostrou que sabe (também) dançar.
E a cantora, desta vez
a Professora e Embaixadora da Universidade de Coimbra, despede-se da cidade para
a qual foi escolhida e aceitou viver por uns tempos. Sem lágrimas, levando as
lições como companhia e o significado de saudade, desta que é a capital do amor
em Portugal: “ Não permita Deus que eu
morra sem que eu volte para cá”. Como “Foi Coimbra que me escolheu e se Coimbra
me quiser...”. Esperemos que volte, sempre.
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