sexta-feira, 21 de julho de 2017

Suicídio

Ligou-lhe à noite quando estava a regressar do trabalho. Era primavera, passava das 9 da noite e ainda era dia. Ainda não tinha jantado. Nesse dia, a última refeição que fizera tinha sido o almoço. Só queria chegar a casa e deitar-se de tão exausta que estava. Guiava em piloto automático. Recebeu um telefonema. Não estranhou porque lhe ligava frequentemente a essa hora. Estranhou, apenas, ter sido para o telemóvel. Era sempre para casa. Nunca o ouvira chorar ao telefone. Só o vira chorar nos surtos psicóticos. A conversa não foi longa nem com rodeios. Foi directo ao assunto:

- Estou a ligar para me despedir. Já liguei a toda a gente. Sou um problema para toda a gente.

Sem experiência em nenhuma situação parecida, a primeira reacção foi o desespero. Mas numa fracção de segundo, disfarçou. Tentou raciocinar. Dissera-lhe que esperasse porque estava a caminho. Ocorreu-lhe ganhar tempo e mantê-lo em linha para que não o fizesse. Tentou saber mais. Percebeu, tarde demais, que a asneira estava feita e que o caminho era irreversível.

Não chegou a tempo, por mais que tudo fizesse. E só a esperança de encontrá-lo vivo a fez voar. Estava vivo, de facto. Mas a fronteira entre a vida e a morte é muito ténue. Estava vivo, sim. O coração ainda batia. Mas já não a ouvia. E nunca mais voltou à consciência para a ouvir.

Percebemos, depois, que planeara tudo ao pormenor. Organizara as contas. Telefonara aos amigos, aos familiares, aos que magoara, aos que esperaram por ele e a quem nunca apareceu. Mas ninguém percebeu. Nunca fez um ultimato. Nem um pedido de ajuda. Nem uma ameaça. Nem um acerto de contas. Pagou todos os jantares, como antes, e combinara os próximos. Dissera: “Pagas o próximo”. Tudo fez para que não o percebessem. E o último telefonema foi para ela. Como se vive depois disto? Como se vive sem conseguir evitar este desfecho?

Nunca mais deixou de ter tempo para não ouvir. Nunca mais adiou para amanhã, para depois. Nunca mais disse que não. Com isto aprendeu que, de facto, a vida tem um fim. E que o fado e o destino não existem.

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