A parte que queria
falar, e a melhor era o quanto este António José Martins foi o melhor avô do
mundo. O avô que toda a gente queria ter. Tinha um jeito extraordinário para os
miúdos. Quando éramos crianças nós tocávamos cavaquinho, violas de plástico e
bombo e ele cantava. Sabia muitas canções de assobio. Adorava música. Adorava ler jornais. Era esquerdino para tudo mas aprendera a escrever com a direita. Contava imensas histórias
e muitas anedotas. Jogava imenso “às orelhas” com os netos mais novos. E jogava
imenso “à sueca” com os adultos. Via imensa televisão, principalmente os programas da manhã e as notícias. Era um fã acérrimo da RTP. Nunca queria a televisão noutro canal. Era adepto do Vitória de Guimarães e tinha uma queda para o Benfica. Fazia-nos cabanas e quando a minha avó não
estava fazia-nos o pequeno-almoço e deixava sempre o leite ferver com medo que
estivesse estragado e fizesse mal aos meninos. E para além disso deitava pouco
nesquik no leite. Adorava tudo com feijão e tomate. Adorava melancia e meloa no
verão. Durante a vida toda sempre comeu maçã à sobremesa. Já o conheci calvo. Saía sempre de fato, gravata e chapéu. Ficou sem cabelo pouco depois dos vinte, como contava, mas nenhum filho saiu a
ele. Ao contrário da minha avó tinha cabelo e olhos escuros. Só a minha mãe e
um dos meus tios têm os olhos escuros como ele. Tinha um humor incrível. Um dia
o meu avô ia fazer um exame e disseram-lhe para retirar os dentes (placa), caso
a tivesse, e ele disse: “Não tiro, isso eu não tiro”. E quando me contou isto a
gargalhar nem me lembrei que os dentes eram todos dele. Chamava-me sempre “minha
neta”. Elogiava os netos e os filhos como ninguém. Era vê-lo na vila a falar da
família. Dava gosto. Adorava surpresas. Era muito alegre e tinha um sorriso lindo. Tinha uma mãos lindas. Era um óptimo conversador. nunca lhe ouvi uma queixa.
Quando éramos miúdos
e estávamos sempre a mexer na lareira dizia “vais fazer xixi na cama”. E no
Natal perguntava sempre “Quem é que hoje fez xixi na cama?” e aquilo era um
monte de mãos no ar. Mas como todas as pessoas extraordinárias, tinha um feitio
difícil que lhe durava pouco tempo mas tinha uma frase que mandava como uma
bala: “Pensa que é aquilo que nunca chega a ser”.
No dia do funeral, um
padre grande amigo dele fez-lhe um elogio fúnebre dos mais bonitos que ouvi: “Um
homem sério, bom pai de família, um bom marido, grande amigo”.
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