segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

António Lobo Antunes em Braga


Tenho uma amiga, a C., que adora música e os grandes compositores da geração beat e afins, e o que alguns escrevem, mas não tem a mínima curiosidade sobre as pessoas, sobre o que elas são, ou o que elas pensam. Ou seja, deve detestar biografias. Interessa-se apenas pela obra. Isto é o que pensa António Lobo Antunes.

Na sexta-feira, às 7 da tarde, bem atrasado, entrou na Centésima Página, com aquele ar distraído, desta vez a olhar os livros, com a cara fechada e com aspecto alienado. Começou por falar de como Braga era uma cidade importante para ele. As origens da família paterna eram de perto da Póvoa de Lanhoso. Uma família muito humilde e que o trisavô partiu para o Brasil e fez lá a sua vida mas que no fim veio aqui morrer. Falou mais uma vez do avô, António Lobo Antunes, a pessoa que mais gostou, a ele lhe deve a ternura e o carinho que lhe deu, ao contrário dos pais que nunca lhe deram, por questões de educação.

Depois falou que detesta a arrogância francesa e de como acham que somos apenas um país de porteiras e de mulheres a dias. No entanto, referiu que foi lá que recebeu dos mais importantes prémios literários.

Falou da morte da primeira mulher em 1999 e das cartas que nunca releu e que lhe escreveu de África. E de como as filhas o convenceram a publicá-las antes da sua morte: “Para que essas putas com quem o pai anda saibam de quem o pai gostava era da mãe”.

Não se esqueceu de referir os amigos, principalmente o Eugénio de Andrade, que era tão bonito, e que a doença modificou tanto. Que tinha sempre tanta delicadeza com ele, tão terno, e que quando o visitava tinha sempre uns miminhos como uns biscoitos e vinho fino. António Lobo Antunes disse estar arrependido até hoje de não o ter visitado nos últimos dias porque soube tempos depois que ele o esperava. A senhora que cuidava dele disse-lhe:
-Sr. Dr., O Sr Eugénio dizia-me sempre : “Ponha aí o fatinho que o meu amigo vem ver-me”. Falou também do Miguel Veiga e da colecção enorme de livros que tem, que não sabe como “parecem estar a reproduzir-se entre eles”.

Lamentou também que a crise limita os bons leitores e que quem lê é a burguesia, pequena e média. Os ricos segundo ele leêm revistas de golfe e revistas de economia e as mulheres deles lêem revista de moda francesas.
Falou também do quanto adora Caminha.

Como já tinha referido, acho-o muito menos distante, muito mais bem-disposto, como se a sua presença neste tipo de sessões não fosse um frete. Está muito mais confessional e acho que até mais interessado com os seus leitores. Como se necessitasse de lhes dar uma palavra e ser agradável com eles.

Quando me assinou os livros eu era a última pessoa. Perguntou-me o que fazia e essas coisas que nos levaram a NYC e falou de como gostava da cidade, e da editora na 5ª Avenida, que passou uma temporada lá a escrever na casa do irmão João numa cidade em New Jersey (que ele me perguntou se eu conhecia e que eu nem sequer nunca ouvi falar). Falou de Columbia e de quando o irmão João voltou de lá. Eu disse-lhe que o João Lobo Antunes tinha uma cadeira no Instituto de Neurociências, ele desconhecia...Agradeceu-me por ser uma leitora tão interessada e lá seguimos para o jantar. A idade aos homens ou lhes faz muito bem ou muito mal. A Lobo Antunes, a idade, está a torná-lo mais doce, mais grato. Aquele ar tão característico dele de zangado, irónico, desinteressado, enfadado, já não se lhe reconhece.







À Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva chegou mais de uma hora atrasado. Quem conversou com ele foi o Sérgio Guimarães de Sousa. Falou que a escrita para ele é um  ofício, que precisava de mais 12 anos para fazer tudo aquilo que precisa fazer, que tem muitos problemas em falar dos seus livros. “Porque é que os dias quando somos pequenos são tão lentos e quando somos adultos são tão rápidos?”.
Um dos maiores prazeres da vida foi o encontro extraordinário com o George Steiner em Cambridge, que considera um homem inteligente, com os afectos dentro da inteligência, que tem um piano de Bach em casa e cartas de Freud ao seu pai. “Sabem que ele é judeu, não sabem?”. “E sabem porque é que os judeus nõ se suicidam?”.  “Porque não podem ler o jornal de amanhã”.

Falou que gosta do livro “Monte dos Vendavais” que acha um livro histérico e kitch mas que gosta dele. Falou também do casamento, e de como estes são complicados. As mulheres gostam de variar os restaurantes. Os homen não gostam de variar. E as pessoas acabam de estar presas umas às outras numa rede de mentiras:
-Não gosto de ti (mulher)
- Não é que não goste de ti mas preciso de pensar (homem)
-O problema não está em ti, está em mim (homem)
- Então, rua! (mulher)

Mostra-se muito mais animado, muito mais humorado, muito mais risonho, mais aberto. E não larga os cigarros, que os fuma em todos os lugares proibidos.

Há quem refira que os livros do António Lobo Antunes ou se gostam ou se detestam. Os primeiros livros que editou eram sempre considerados os piores livros do ano. O editor de NYC, sem ler nada da sua obra disse: “Você vai conquistar o mundo”. Estátraduzido em mais de sessenta idiomas.

Depois do livro estar pronto, de tantas revisões, de tanta correcções, de passar pelo “detector de merda” nunca mais olha para ele. Nunca leu nenhum dos seus livros porque tem medo.
Confessa-se admirador de Bach e Schubert. Que é um homem  de poucas lágrimas, é como as grutas, chora para dentro. Chorou quando a mãe das filhas morreu, quando o pai morreu. Não seria capaz de voltar a ser médico, não por medo, mas pela enorme sensação de vazio.
Quando esteve doente há 6 anos um dos pintores amigos dele foi o único que lhe pareceu dizer a verdade: “Aguenta-te”. Recebeu mais de 5000 cartas dos seus leitores. Mas a que mais o marcou foi a de um rapaz do Minho que dizia “Não admito que o meu ídolo se vá abaixo das canetas”. “Fiquei muito comovido”.

Falou que as paredes da sua casa são repletas de estantes com livros. E que a sensação que mais gosta é ter as paredes cheias de livros e deixar impregnar-se por eles. Diz-se uma pessoa metódica e com horários. As pessoas pensam que a arte é feita por iluminados, mas não, é muito trabalho.

Contou também que a mãe era um apessoa muito bonita mas que o pai não. E perguntou-lhe:
-Porque é que a mãe casou com o pai que é tão feio?
-Porque tem uma voz que me transtorna.
Disse também que a mãe não tinha ciúmes e que isso chateava o pai. Uma das vezes, a mãe estava a fazer café enquanto fumava um cigarro e o pai a fumar cachimbo:
-A Maluda quer pintar-me o retrato.
-Está bem-disse a mãe.
-Nú.
(Sem resposta da mãe).
-Da parte de baixo
-Da natureza morta? –perguntou a mãe.
Diz ter cada vez mais orgulho de ser português mas que se recusou a estender a mão ao Primeiro-Ministro na Feira do Livro de Lisboa.
No final, quando começava a preparar-se para assinar os livros das pessoas ainda me viu sair e disse-me:
-Ana, já nos conhecemos há 3 horas!







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