No Domingo ao fim da tarde ainda corri
para conseguir assistir ao encerramento da 1ª edição do Festival Ler no Cinema
São Jorge. Por volta das 5, quando cheguei ainda me cruzei com Gonçalo M.
Tavares e consegui comprar uma 1ª edição
do livro do António Lobo Antunes “Não é meia noite quem quer”. Enquanto esperava
e as pessoas iam aglomerando-se à espera que a sala abrisse, passou por nós um
distante, carrancudo, distraído, antipático, ou quem sabe, somente tímido, Lobo Antunes.
A primeira vez que conheci pessoalmente
António Lobo Antunes foi em Braga na Centésima Página e apesar de adorá-lo como
escritor achei-o irónico, distante, antipático, revoltado, desinteressado,
gozão... e na altura, a conversa foi tediosa, desinteressante, queixosa,
pessimista...Aliás, achei que estava a ouvir um louco saído do Miguel
Bombarda... e se não fosse as dezenas de livros que carregava comigo teria
saído antes de acabar.
Anos depois, no domingo, ia com essa
falta de expectativa mas quando começo a ver o início da conversa com a
simpatia e sorrisos do Carlos Vaz Marques comecei a pensar que o Lobo Antunes
ficasse cativado. E foi o que aconteceu. Eu acho o Carlos Vaz Marques o melhor
entrevistador/ conversador deste país depois da ausência da Margarida Marante (noutro
estilo). [Fazendo um parêntesis, foi depois de uma entrevista do António Lobo
Antunes à Margarida Marante sobre o “Esplendor de Portugal” que comecei a ser
uma fiel leitora dele]. Nesta conversa falou-se de tudo. Elogiou a voz do
Carlos Vaz Marques dizendo “é a voz mais bonita que conheço”. Falou de tudo, de sentimentos,
da família, de escritores, de livros, de escrita, da doença... Um incomum Lobo Antunes
mais descontraído, confessional e que conseguia para além do seu humor
característico, contar piadas e rir-se. Cada vez mais nota-se uma abertura nas
suas conversas, fala cada vez mais da família e do pai. Nota-se que apaziguou
de um período de afecto conturbado. Disse ter sido muito injusto com muita
gente, principalmente com a família. E disse também que pediu desculpa a Vasco
Graça Moura “um grande poeta”. Elogiou Scott Fitzgerald mas disse que achava
grandes escritores chatos como Thomas Mann e Kafka. Mencionou que Garrett e
Herculano eram escritores que escreveram maravilhosamente bem. O filme que mais
viu na vida foi “Joselito, o pequeno cantor”. Adora filmes piegas.Assumiu para
ele o maior defeito é a ingratidão. Afirmou também que viveu sempre
aterrorizado com o tempo desde menino, que sempre sentiu que tinha muito pouco
tempo e viveu e vive com esse medo.“as mentiras que os outros exigem que nós
digamos”. Citou frases mal feitas de vários livros: “Quando acordou estava
morta”; “Era uma praia perto do mar”.
No plano auto-confessional disse aos 14
anos disse aos pais que queria deixar de estudar e ser escritor. “Teria ficado um Prado
Coelho se fosse para letras. Já que não foi para letras foi para medicina.
Escolheu medicina por pertencer a uma família de médicos. Sempre estudou
jogadas de xadrez, estudava tudo menos Medicina. Falou da guerra e de como os
generais sempre foram para com ele muito generosos, leais e honestos. Confessou
que a pessoa que mais gostou foi do avô materno, a pessoa mais tolerante que
conheceu. Fazia-lhe carinhos, ao contrário dos pais que nunca o fizeram. Os
seus amigos eram sempre mais velhos e os melhores foram Cardoso Pires, Eugénio
de Andrade e Ernesto Melo Antunes. “Quando um amigo morre fica um vazio”.
Quando esteve doente há 6 anos, o
cirurgião pegou-lhe na mão e ele, dessa forma, achava que não ia morrer. O quanto
esse gesto foi importante para ele.
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