Juro que a próxima vez que ouvir falar mal do SNS português:
vou insultar ou segurar-me para não bater na pessoa que o estiver a fazer. Há umas semanas, a Clara Ferreira Alves falou na sua crónica no Expresso,
a propósito de um artigo do "The New York Times”
que falava da exorbitância do que se paga no sistema americano por um
simples corte na cabeça que nem de sutura de linhas precisou.
Em 2006, quando estive a primeira vez em Houston, a fazer
parte do meu doutoramento, fui parar ao hospital com um enxaqueca dilacerante.
Depois de ter acordado às 5 da manhã, num domingo, para começar uma experiência
às 6 porque tinha almoço marcado com amigos em “Indian Town”. Almocei comida
indiana quase nativa, que para o comum dos mortais, deve ser prejudicial,
imaginem para mim que (dizem que)sofro da vesícula. E à noite, como se não
bastasse, comi pasta italiana caseira. Cheguei a casa com uma dor de cabeça
latejante... Não sei se foi de ter madrugado e ter dormido pouco, se foi da
comida indiana, se foi do vinho italiano. Até hoje não sei a razão do “se”. O
que sei dizer é que como a dor só aumentou, não tive como n telefonar a umas
amigas, sendo uma delas na altura estudante de medicina. Levou-me para o E.R.
de um hospital que me lembro que se chamava de St Luke’s. Tenho que realçar que
Houston é mundialmente conhecida pelo MD Anderson Center, um dos mais
prestigiados hospitais de tratamento de cancro e também pelo seu Medical
Center. Eu estava com uma enxaqueca tão grande que antes dessa, só uma fora tão
má, que me obrigou a estar uma noite inteira no hospital porque suspeitavam de
um problema neurológico. Quando cheguei ao hospital, não o achei nada como
aqueles que se via nos filmes, nem em número de médicos, nem na assistência,
nem na azáfama e nem no tamanho. A sala
de espera parecia de um pequeno centro de saúde. A única coisa que estranhei
foi não ver doentes nem médicos. E por isso,
estranhei a demora a atenderem-me. Fui chamada para a triagem, que foi
feita por um enfermeiro, na qual me fez um interrogatório sem fim e me mandou
preencher papéis, que eu naquele estado, não sabia preencher. Pedi uma cama.
Colocaram-me às escuras num quarto, como pedi. Num hospital, que parecia vazio,
a médica demorou uma eternidade a assistir-me. Não tenho noção de quanto tempo
esperei, mas não foi pouco. A médica, que até era simpática, antes do exame
neurológico, fez-me um interrogatório. Começou pelas óbvias questões das drogas
ilegais e foi por aí adiante. Eu repeti-lhe várias vezes que estava a morrer de
dores de cabeça. E ela, quando finalmente terminou, disse que me iria
prescrever codeína + tramadol. E aí eu comecei a ver outra luz! E prescreveu-me
vicodin (sim, essa droga na qual o Dr. House é viciado) para SOS. Quase que me
abracei a ela de tanta alegria! Deram-me a injecção intramuscular e obederam ao
protocolo da vigilância. Quando saí do hospital já não articulava bem as
palavras. Dormi quase 48 hrs seguidas, e quando finalmente acordei, tinha os
lábios rebentados. Nunca cheguei a perceber se por causa das drogas legais ou
por causa da vesícula/ fígado... Os meus amigos médicos que me perdoem, mas não
sou expert... A parte pior chegou umas semanas depois, quando me apareceu a
conta do hospital... Pelo que percebi, o seguro pagou uma parte, e a parte que
eu teria de liquidar ultrapassava os 400 dólares (isto em 2006)... Podem
imaginar o meu desespero, de um “tombo” destes no meu parco orçamento de aluna
de doutoramento!!
Anos depois, já em NY, tinha uma amiga em minha casa. Fomos
jantar a um restaurante grego, e entre sangrias, peixe e pão, terminamos a
noite a beber vinho do Porto num bar em Hell’s Kitchen. Posso garantir, que
apesar de parecer que enfrascamos muito, isso não aconteceu. No dia seguinte a
minha amiga teve uma dor de barriga. Uma dor localizada que depois se começou a
espalhar. De tarde, por conselho de outro amigo, estudante de medicina fomos ao
Presbyterian Hospital/ Columbia Medical Center. Podia ser uma apendicite. As
urgências deste hospital, por onde eu passava quase sempre, quando saía a horas
tardias do lab pareciam verdadeiramente os E.R.s que vemos na tv. Desde
baleados, drogados, grávidas, quedas de crianças... de tudo vi ali. E sim, este
serviço parecia sempre activo. A minha amiga foi colucada numa maca a soro.
Começaram por lhe dar qualquer coisa para beber para fazer um CT. Não tinham certeza de nada. Podia ser
apendicite, mas também podia ser uma pancreatite, ou nenhuma das duas. E as
horas foram passando. Eu e o meu amigo quase médico, enquanto ela esperava
deitada pelo diagnóstico, fomos as nossos labs, e ainda tivemos tempo de
jantar. Quando voltamos tinha mudado de sítio. Estava agora próximo das
secretárias dos médicos. A médica que a estava a assistir ia acabar o turno.
Era interna de anestesiologia e morava no prédio do meu amigo quase médico.
Desde esse dia passou a perguntar-me como estava a minha amiga e a dizer-me
“olá” nos corredores. Até hoje, não me esqueço que se chama Emily. Durante a
madrugada, entre TACs, injecções para as dores... fomos passando o tempo. Ainda
nos ofereceram de comer, sandes e sumos, e ainda umas cadeiras. Eu e o meu
amigo ainda tivemos tempo de ir a um café em frente ao hospital, Jou Jou. E
ainda tivemos tempo de ver a chefe de turno a “flirtar” um dos especialistas
de serviço no café. Tive ainda tempo de
adormecer com a cabeça pousada em cima da cama da minha amiga. E de ser
acordada pela médica para me dizer que como a minha amiga tinha um excelente
seguro de saúde, iria ficar internada. Disse-me que iria dar-lhe morfina e que
seria transferida de serviço. Quando lhe estravam a administrar a morfina, o
médico disse-lhe para avisar quando ela começasse a sentir o efeito. A seguir a
isto, mandaram-me para casa passava pouco das 6 da manhã. Umas horas depois regressei ao hospital e a
C. estava internada mas estava quase a ter alta. Os quartos eram individuais,
pareciam quartos de hotel, a cama era toda automática, inclusive dava para
pesar. Tinha casa de banho privativa. E mais uma vez, sumos e sanduíches não
faltavam. A conta, vim a saber depois, foi astronómica. A C. tinha um excelente
seguro de saúde pago pela Harvard University. Mas sabem por quanto ficou estas
pouco mais de 24 hrs? Mais de 5000 dólares.