segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

O sistema nacional de saúde (SNS)

Juro que a próxima vez que ouvir falar mal do SNS português: vou insultar ou segurar-me para não bater na pessoa que o estiver a fazer. Há umas semanas, a Clara Ferreira Alves falou na sua crónica no Expresso, a propósito de um artigo do "The New York Times”  que falava da exorbitância do que se paga no sistema americano por um simples corte na cabeça que nem de sutura de linhas precisou.

Em 2006, quando estive a primeira vez em Houston, a fazer parte do meu doutoramento, fui parar ao hospital com um enxaqueca dilacerante. Depois de ter acordado às 5 da manhã, num domingo, para começar uma experiência às 6 porque tinha almoço marcado com amigos em “Indian Town”. Almocei comida indiana quase nativa, que para o comum dos mortais, deve ser prejudicial, imaginem para mim que (dizem que)sofro da vesícula. E à noite, como se não bastasse, comi pasta italiana caseira. Cheguei a casa com uma dor de cabeça latejante... Não sei se foi de ter madrugado e ter dormido pouco, se foi da comida indiana, se foi do vinho italiano. Até hoje não sei a razão do “se”. O que sei dizer é que como a dor só aumentou, não tive como n telefonar a umas amigas, sendo uma delas na altura estudante de medicina. Levou-me para o E.R. de um hospital que me lembro que se chamava de St Luke’s. Tenho que realçar que Houston é mundialmente conhecida pelo MD Anderson Center, um dos mais prestigiados hospitais de tratamento de cancro e também pelo seu Medical Center. Eu estava com uma enxaqueca tão grande que antes dessa, só uma fora tão má, que me obrigou a estar uma noite inteira no hospital porque suspeitavam de um problema neurológico. Quando cheguei ao hospital, não o achei nada como aqueles que se via nos filmes, nem em número de médicos, nem na assistência, nem na azáfama e nem no tamanho.  A sala de espera parecia de um pequeno centro de saúde. A única coisa que estranhei foi não ver doentes nem médicos. E por isso,  estranhei a demora a atenderem-me. Fui chamada para a triagem, que foi feita por um enfermeiro, na qual me fez um interrogatório sem fim e me mandou preencher papéis, que eu naquele estado, não sabia preencher. Pedi uma cama. Colocaram-me às escuras num quarto, como pedi. Num hospital, que parecia vazio, a médica demorou uma eternidade a assistir-me. Não tenho noção de quanto tempo esperei, mas não foi pouco. A médica, que até era simpática, antes do exame neurológico, fez-me um interrogatório. Começou pelas óbvias questões das drogas ilegais e foi por aí adiante. Eu repeti-lhe várias vezes que estava a morrer de dores de cabeça. E ela, quando finalmente terminou, disse que me iria prescrever codeína + tramadol. E aí eu comecei a ver outra luz! E prescreveu-me vicodin (sim, essa droga na qual o Dr. House é viciado) para SOS. Quase que me abracei a ela de tanta alegria! Deram-me a injecção intramuscular e obederam ao protocolo da vigilância. Quando saí do hospital já não articulava bem as palavras. Dormi quase 48 hrs seguidas, e quando finalmente acordei, tinha os lábios rebentados. Nunca cheguei a perceber se por causa das drogas legais ou por causa da vesícula/ fígado... Os meus amigos médicos que me perdoem, mas não sou expert... A parte pior chegou umas semanas depois, quando me apareceu a conta do hospital... Pelo que percebi, o seguro pagou uma parte, e a parte que eu teria de liquidar ultrapassava os 400 dólares (isto em 2006)... Podem imaginar o meu desespero, de um “tombo” destes no meu parco orçamento de aluna de doutoramento!!

Anos depois, já em NY, tinha uma amiga em minha casa. Fomos jantar a um restaurante grego, e entre sangrias, peixe e pão, terminamos a noite a beber vinho do Porto num bar em Hell’s Kitchen. Posso garantir, que apesar de parecer que enfrascamos muito, isso não aconteceu. No dia seguinte a minha amiga teve uma dor de barriga. Uma dor localizada que depois se começou a espalhar. De tarde, por conselho de outro amigo, estudante de medicina fomos ao Presbyterian Hospital/ Columbia Medical Center. Podia ser uma apendicite. As urgências deste hospital, por onde eu passava quase sempre, quando saía a horas tardias do lab pareciam verdadeiramente os E.R.s que vemos na tv. Desde baleados, drogados, grávidas, quedas de crianças... de tudo vi ali. E sim, este serviço parecia sempre activo. A minha amiga foi colucada numa maca a soro. Começaram por lhe dar qualquer coisa para beber para fazer um CT.  Não tinham certeza de nada. Podia ser apendicite, mas também podia ser uma pancreatite, ou nenhuma das duas. E as horas foram passando. Eu e o meu amigo quase médico, enquanto ela esperava deitada pelo diagnóstico, fomos as nossos labs, e ainda tivemos tempo de jantar. Quando voltamos tinha mudado de sítio. Estava agora próximo das secretárias dos médicos. A médica que a estava a assistir ia acabar o turno. Era interna de anestesiologia e morava no prédio do meu amigo quase médico. Desde esse dia passou a perguntar-me como estava a minha amiga e a dizer-me “olá” nos corredores. Até hoje, não me esqueço que se chama Emily. Durante a madrugada, entre TACs, injecções para as dores... fomos passando o tempo. Ainda nos ofereceram de comer, sandes e sumos, e ainda umas cadeiras. Eu e o meu amigo ainda tivemos tempo de ir a um café em frente ao hospital, Jou Jou. E ainda tivemos tempo de ver a chefe de turno a “flirtar” um dos especialistas de serviço no café.  Tive ainda tempo de adormecer com a cabeça pousada em cima da cama da minha amiga. E de ser acordada pela médica para me dizer que como a minha amiga tinha um excelente seguro de saúde, iria ficar internada. Disse-me que iria dar-lhe morfina e que seria transferida de serviço. Quando lhe estravam a administrar a morfina, o médico disse-lhe para avisar quando ela começasse a sentir o efeito. A seguir a isto, mandaram-me para casa passava pouco das 6 da manhã.  Umas horas depois regressei ao hospital e a C. estava internada mas estava quase a ter alta. Os quartos eram individuais, pareciam quartos de hotel, a cama era toda automática, inclusive dava para pesar. Tinha casa de banho privativa. E mais uma vez, sumos e sanduíches não faltavam. A conta, vim a saber depois, foi astronómica. A C. tinha um excelente seguro de saúde pago pela Harvard University. Mas sabem por quanto ficou estas pouco mais de 24 hrs? Mais de 5000 dólares.

Quando ouço alguém a queixar-se do nosso sistema de saúde apetece-me dizer-lhe a sorte é que não têm acesso à factura detalhada... e alguém paga essa conta sem os próprios nunca saberem o valor real das coisas...

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