Passei o ano pela primeira vez na cama. Acho que nem em bebé
o fiz porque, como nasci e Maio, já tinha 7 meses... Não perguntei aos meus
pais, mas a passagem de ano de 1979/1980 devia ter sido feita no colo de
alguém. Tosse e falta de ar atiraram-me para a cama como já não me lembrava.
Asmelhoras têm sido lentas. A respiração melhorou mas a tosse piorou. A Bu
vinga-se de ser ignorada fazendo várias vezes xixi no chão. Passou, por
rebeldia, a ignorar o jornal. A Bu passou o ano comigo porque os meus tios têm
um cão que é ciumento e é melhor não provocar confrontos. De qualquer das
formas, os meus sobrinhos, passando pouco da meia-noite, passaram por aqui para
levá-la. O espectáculo auditivo começa quando ela regressa e os meus sobrinhos
vão para a casa da mãe. Nesses dias, a Bu, entra num pranto que dura horas.
No ano passado duas das minhas melhores amigas tiveram
filhos. Na semana antes do Natal soube que um dos meus melhores amigos vai ser
pai de gémeos!! Outro casal de amigos vão ter a C. em Abril. Estas notícias
fazem-me sempre transbordar de alegria. A crianças são o símbolo da renovação, da
esperança e do futuro. Há melhor alegria do que esta?
No dia 24 fui visitar uma amiga com cancro em estado
terminal ao hospital. Antes de entrar no quarto disse à minha mãe que não
chorasse em frente a ela e que estivesse preparada para o aspecto físico. Já
não a via há mais de um ano. A pessoa que eu fisicamente conhecia,
desaparecera. Apesar de uns 30 kgs mais magra, muito frágil, com problemas em
respirar, a pessoa que eu conheci estava ali. A alegria de nos ver foi tão
notória. Que alegria! Apesar da fragilidade e do estado, estava com um ânimo
que me fez colocar em perspectiva a minha vida. Ainda tinha planos, ainda falava
das consultas a que iria e ainda pensava voltar para casa. Elogiou tanto o
serviço de Oncologia do Hospital de Braga, e todas as pessoas que a tratavam.
Estava a ser tratada como uma raínha, nas palavras dela. Tinha sido encontrada
pelo filho na cama desmaiada. Sobreviveu a essa crise. Eu, de mãos dadas com ela,
contava-me que a hora dela ainda não tinha chegado. Ainda assisti à neta
receber os quadros que mandou fazer com os desenhos de quando era criança.
Obviamente que sabia que este seria o último Natal. Os meus pais ainda a
visitaram no domingo e estava ainda mais animada. Falava até em voltar para
casa e assar cabrito. Hoje de manhã a minha mãe ligou-me a dizer que a C. morreu.
Apesar de todas as adversidades da vida, tinha sempre uma palavra de força e
optimismo. Tinha uns olhos e um riso lindos. Depois de uma conversa com ela,
tudo ficava melhor. As pedras no caminho eram sempre ultrapassáveis. Pessoas
como a C. deixam muita saudade e fazem muita falta ao mundo.
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