segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Saga lisboeta: tuk tuks e taxistas

Chego a Lisboa à tarde. Santa Apolónia. Há muito não frequento esta zona, desde que me cansei de noites muito longas no Lux. A última vez que vim para estes lados fui ao Bica no Sapato. Ficou a memória do único vinho do Douro que bebo: Graínha. De resto, nada de especial. Sol, como sempre. Fila enorme para os táxis. Os passageiros acomodam-se exemplarmente em fila indiana. Os táxis, a desordem do costume, filas de duas faixas. Avisto dois cruzeiros enormes. Sigo para Alcântara. Reparo que de um lado e outro, mais atrás e mais à frente, a nova moda dos tuk tuk. Assusto-me com a velocidade que atingem. Arrepio-me com a velocidade que fazem as curvas. Imagino a falta de segurança que aquilo deve ter. Comento com o taxista. Questiono-me sobre o que faz os turistas trocarem um táxi por uma pena. O meu cérebro não pára de processar um possível toque de um carro. Tento pensar noutra coisa. Chego a tempo de ir à apresentação do livro do Saramago, que dele tem apenas dezenas de páginas, mas os bilhetes estão esgotados. Sigo para o hotel. Chego ao quarto e tenho uma vista fantástica para o rio, que para mim, é o mais bonito do mundo. Não parece um rio, parece um mar. O Mississipi, visto de Memphis, foi para mim uma desilusão. Este Tejo, continua até hoje, a lembrar-me a descoberta de novos mundos. O hotel manda-me como boas vindas maçãs e uma garrafa de água. Eu que não gosto de maçãs. Ando há dias com uma crise de vesícula que teima em não passar. Mas o destino parece conspirar a meu favor. As maçãs revelar-se-ão a minha salvação, já que pouco mais consigo comer.

A noite chega. Escrevo. Tenho o ar condicionado (AC) ligado, embora deteste. Por isso, espero o mínimo tempo possível para arrefecer. Desligo-o. Não sei que truque de magia fiz mas consegui fazer desaparecer o comando do AC. Como estou reduzida a poucos metros quadrados, não saí e o chão não é furado...Tenho poderes? Revisto tudo. Não o encontro. Agora, para além do esforço físico da procura, acrescento o calor tropical do quarto. Tento dormir. Não consigo. Levanto-me, uma vez mais, para fazer outra busca. Nada. Passei a noite nisto. Mal dormi. Obviamente quando deveria ter acordado, e já era bem dia, adormeci. Isto é o espelho da minha vida.

Depois do almoço sigo de táxi para Belém. Chegada aos Jerónimos comovo-me, como sempre. Não sei o que é. Os olhos ficam marejados. Felizmente, tenho óculos de sol. O que haveria o taxista pensar de mim? Reparo numa das invenções turísticas mais estúpidas que conheço, e que inundam as grandes cidades do mundo: cavalos e carroças. Neste caso, é apenas um cavalo e uma carroça. O cavalo tem a cara tapada. Viro costas porque não posso fazer nada. E penso que não posso mudar o mundo.

Dia seguinte. Outro táxi. Digno de registo. Mal entrei no táxi, percebi. O taxista, sem eu lhe pedir, conduzia para além dos limites de velocidade. Tipo bala. Resmunga com todos à volta. Para mim é simpático. Diz mal de todos. Queixa-se de tudo. Para mim é amável. Quando chegamos ao pé dos Jerónimos para virar para o CCB, estou tão distraída com o comportamento do taxista, que não reparo no cavalo. Nem tenho tempo de me emocionar com os Jerónimos. Uma parte de mim é receio e a outra é riso (escondido). Azar dos azares, aparece um tuk tuk à frente. Não podia ser pior. O taxista espuma-se. Quando ultrapassa o tuk tuk, a coitada da senhora só diz um tímido “Obrigadinha”. Palavra que disse. O taxista insultou-a de todos os nomes que envolviam filhas e alhos. Eu só queria que não sobrasse para mim. Vasculho os bolsos e rezo para ter trocos mas só encontro notas. Daquelas que não dão para ficar com o troco. Mas eu já estava por tudo. O taxista só gritava que os tuk tuk eram ilegais. Ladrões. Não passam facturas. Não pagam impostos. São um perigo. Eu estendo-lhe a nota. E o homem continua distraído com os insultos a mexer nas moedas. Eu bem lhe digo para arredondar. O táxi está mal estacionado atrás de outros. De repente: “Pum”. E eu só penso: “o mundo vai acabar”. O motorista de um conhecido político, ao sair do estacionamento, bate exactamente na minha porta. Acabou tudo. Não tenho por onde sair. Digo ao taxista que pode ficar com o troco. E ele diz-me para esperar. Sai do carro aos berros. O motorista do conhecido político só pede desculpas. “Desculpa não, vai pagar e bem!”. E insulta o homem de tudo. Eu só quero sair do táxi. Tento manter-me calma. Mas ao mesmo tempo só me apetece rir. Tudo a olhar e ninguém faz nada. O taxista entra novamente. Volta às moedas mas parece não prestar atenção. Felizmente, chega o táxi à frente. Saio. “Espere minha senhora”. “Fique com o troco”, respondo eu. E despeja toda a ira no coitado do motorista que teve o azar de não reparar no táxi. Ninguém faz nada. Eu só digo: “Vá, calma”. O motorista: “Eu pago”. O taxista: “vai pagar muito bem. Querem entrar com os carros em todo o lado”. Queria ter tido a coragem de fazer muito e mais. Acho que consegui que o taxista não chegasse a vias de facto. Virei as costas sem o troco e sem factura.


No fim da tarde, quando regresso ao hotel, vejo o cavalo. Sem a cara tapada mas com os olhos. Apetece-me fazer alguma coisa. Mas o que posso eu? No dia seguinte: o cavalo outra vez de cara tapada. Penso que deve ser legal porque com tanta polícia e tantas pessoas, alguém já se deve ter apercebido. Que vida animal é esta? Para além de amarrado não pode sequer ver o mundo? Século XXI. Escravo e cego. 








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