sábado, 25 de julho de 2015

A minha primeira arguência num júri de Doutoramento

Domingo, fim da tarde. Aeroporto. Subo para o avião. O Eduardo Souto de Moura senta-se ao meu lado. Não é todos os dias que se tem um dos prémios Pritzker ao nosso lado. Quero falar-lhe mas, como sempre, não tenho coragem. Quero pedir-lhe que me assine alguma coisa já que o seu talento está na mão. Até podia assinar uma das folhas do livro que estava a ler já que só tinha isso e a tese de doutoramento que ia arguir. Nem isso consigo pedir-lhe. [Na semana seguinte saiu uma entrevista brilhante dele feita pela Anabela Mota Ribeiro.  Percebe-se que é uma pessoa extraordinária, engraçada e culta. Que de tantas outras coisas disse para que serve lamber pedras e desenhar a sensação e “eu penso desenhando”. Percebi nos 50 mins de voo que os gordos são realmente bem dispostos e que sabem aproveitar todos os prazeres da vida. Ignorando a sua condição de estae bem acima do peso ainda pediu uns amendoins. 

Chegada a Faro tinha a J. e a M. à minha espera. Noite quente e abafada. Das boas, como só os verões no Algarve, sabem ser. Chego ao hotel já passa das 11 da noite. Não tem cama de casal. Não tem muitas tomadas. A internet não funciona. Mas pelo menos tem tv e muitos canais. Adormeço com a tv ligada e rendo-me aos encantos do A/C que só admito para dormir. [As pessoas que me conhecem sabem os problemas que tenho com o A/C. No trabalho visto-me como se não fosse verão devido a esse atentado à condição humana. Adoro calor e as estações quentes. Nasci no país errado. Ao contrário da maioria das pessoas, adoro o verão quentíssimo de NY e Houston com uma humidade a beirar o insuportável. O único problema do calor é mesmo na hora de dormir porque no resto foi a melhor invenção do universo].
Acordo relativamente tarde para o habitual. Mas ainda a tempo do pequeno-almoço que tenho direito. Dou uma olhadela às perguntas que vou fazer na defesa da tese. Ao meio-dia faço check-out e chamam-me um táxi. Tenho almoço marcado com o júri ao meio dia e meia. Telefonam-me e estou ligeiramente atrasada, presa no trânsito. Como se em Faro houvesse trânsito. Almoçamos no restaurante vip da Universidade do Algarve, que de vip apenas tem o nome. Apenas duas escolhas para o almoço: robalo no forno e bife de cebolada. Quando chega o peixe à minha frente era o verdadeiro atentado. A simplicidade do robalo assassinada...mergulhado num molho de pimentos e cebola que estragou tudo. Durante o almoço falamos da revolução francesa e das invasões francesas em Portugal. 
Pouco antes das duas, saímos em direcção ao anfiteatro onde seria a defesa. Vestimos as becas, cada qual da sua universidade. Eu, como não tenho, requisitei uma emprestada. A defesa começou atrasada porque não abriram o anfiteatro a horas. Depois houve o problema com a apresentação que é sempre o que acontece a quem tem um Mac...demora sempre mais tempo. Mesmo assim, a candidata apresentou muito bem, como se este atores inicial não a afectasse. E eu sentada, desta vez do outro lado, lembro-me do dia da minha defesa. Foi dos piores dias da minha vida. Para além de tudo o que representou para mim, o primeiro arguente não passou da página 7. Até que a muitos dos meus amigos ainda brincam com uma das perguntas que me fizeram: "O que mudaria na sua tese?" E a resposta é: "A página 7!".
O primeiro arguente da tese da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra era um gentleman, extremamente delicado, educado e cuidadoso. Organizadíssimo. Tinha a intervenção toda escrita, os cumprimentos, os comentários, e aproximadamente 20 perguntas. Tudo no seu Mac imaculadamente organizado. Entrei imediatamente em pânico. Eu era o oposto. Levei meia dúzia de folhas (americanas) amarelas. Tudo rasurado e corrigido. riscos e mais riscos. Correcções e adições a esferográfica e lápis. Tudo desastrosamente desorganizado. O pior de se ser a segunda arguente é muitos dos comentários e perguntas terem sido já feitos pelo anterior. Mas eu, que até sou muito mais crítica comigo do que com os outros, acho q a minha intervenção correu bem. A verdade, como sempre acontece nestas coisas, é que perdi a noção do tempo. Depois ainda se seguiram as intervenções da professora da Faculdade de Medicina da Universidade Nova de Lisboa, do Professor da Universidade do Algarve, da orientadora e da Presidente do Júri. Foi a primeira aluna de Doutoramento da G. Um marco, portanto. Dizem que a primeira de cada coisa na vida não se esquece. E terminou com Muito bom por unanimidade com distinção é louvor.
Depois, ainda houve tempo para ir á esplanada mesmo em cima da praia da ilha de Faro para beber uma imperial. Tudo aqui é perfeito. O sol, a vista, a praia, o calor, a cor. O pior é o atendimento. Os algarvios parece terem um talento nato para não serem simpáticos. Tudo parece ser feito por favor é obrigação. Esta miúda loira, que até é gira, e que me calha sempre na rifa sempre que vou a este bar, fica sem beleza nenhuma devido à atitude. Para a próxima vou dizer-lhe que quero ser atendida por outra pessoa. Já passa das 7 quando saímos da praia rumo ao aeroporto para me deixarem. Tenho voo às 8:15. Chego ao aeroporto às 7:15. Ando a passo apressado em direcção à segurança. Respiro de alívio quando vejo que a fila não é muita. Mas como na minha vida há sempre um episódio para contar, eis que me aparece um cromo à frente que leva uma mala de mão e dois sacos transparentes cheios de líquidos. O homem na sua inocência achou que estava a cumprir com tudo porque mostrou os dois sacos transparentes cheios de líquidos, a achar que não estava a cometer nenhuma irregularidade. Mas estava. De há uns tempos para cá só é permitido um saco transparente de líquidos que não ultrapasse cada frasco os 100 ml. Eu aprendi isto quando há uns tempos me ficaram com um frasco de perfume quase cheio cujo valor era superior a 70 dólares. Aprendi a lição e nunca mais mostrei o saco transparente. E a partir daí nunca mais ninguém me descobriu os líquidos que transportam na mala. O que só revela como funcionam bem os aeroportos portugueses. Obviamente, nos aeroportos americanos nunca me atrevi a testar esta situação. Mas a verdade é que em 2006 levei comigo na mochila um frasco de biovidro para os EUA que macroscopicamente é igual a muita coisa ilegal. Adiante, o senhor que estava à minha frente refilava bem alto que podia levar os dois sacos repletos de líquidos porque o tinham deixado passar em todos os aeroportos... E blá blá.... O problema é que eu tinha um avião para apanhar e as portas fechavam às 7:45. E a discussão já durava há 10 minutos. E eu q não queria perder o voo virei-me para a segurança e disse-lhe "não podem resolver este problema mais rápido. Estou aqui há 15 minutos". E ela com a atitude de quem acha que tem autoridade nestas situações diz-me que não estou ali há 15 minutos, talvez uns 10 a exagerar.  E começamos ali numa discussão. Ao que ela me pergunta: "quer ensinar-me a fazer o meu trabalho?". Frase que ela me disse! Se soubesse fazer o trabalho dela não demorava 10 minutos a resolver o problema dos sacos. Ou deixava o homem passar ou os tirava. É isso não demorava 10 minutos. E eu que levava líquidos na mochila, mas nunca assumo que os levo, coloco o iPad fora da mochila e fazem-me a derradeira pergunta: "tem líquidos?". E eu respondo convictamente que não. Mas a imaginar que vai ser destaque me vão apanhar e que vou passar a vergonha da minha vida. Espero a mochila do outro lado e não descobrem nada. Tiro o saco da mochila com líquidos e digo para a que me disse se queria que eu a ensinasse a fazer o trabalho dela: "trabalho bem feito, não?". E continuo. Já estão a chamar pelo meu nome quando vejo o Eduardo Souto de Moura. Aí respiro fundo e sigo-o. Já não vou perder avião nenhum porque ele vai no mesmo que eu!

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