quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Lilau

Tudo em mim, hoje, é arrependimento. Tenho falhado muito na vida mas não em coisas maiores. Desta vez, talvez a primeira, falhei naquilo que procurei nunca falhar. Soube há pouco tempo o quão doente estava. Um segredo bem guardado. Nada nela transparecia o quão perto estava do fim. Ela não imaginava. Queria muito ver-me. Tinha saudades minhas, disseram-me. E eu, tão consciente que o fim estava próximo, fiz (quase) tudo para ir vê-la. O meu irmão e sobrinhos ainda foram a tempo. Foi um dia lindo, disseram-me. Eu nesse dia não fui porque queria que tivesse alegrias repartidas. Sabia que o fim estava próximo. Nunca imaginei que tanto. Há duas semanas tentei mas tinha ido à terra tratar das coisas dela e estar com as amigas. Deste fim de semana não passaria. Se não estivesse cá iria onde estivesse. Disse isso à minha mãe. Apareceríamos domingo de surpresa na casa dela. Eu sabia da urgência. Sabia que o tempo não parava e que a doença estava a evoluir. Ela estava bem mas eu, no fundo, sabia que a minha visita era inadiável. De domingo não passaria. Seria abraçada e beijada com aquele entusiasmo tão dela. Ficaria contentíssima por me ver. Eu elogiaria o quão bem estava no alto dos seus 91 anos. Entrelaçaríamos as quatro mãos. Ficaríamos assim muito tempo. Não aparentaria o quão doente estava nem tão pouco a idade que tinha. Veria-a magrinha como fora a vida toda. Sairia de lá muito feliz. Cheguei tarde demais. Ou antes, não cheguei. Afinal, não é verdade que chegamos sempre ao lugar que nos esperam.



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