domingo, 28 de agosto de 2016

A pessoa que escolheu apenas (sobre)viver

Passaram-se 21 meses e 15 dias desde que ele se foi embora. Sem uma explicação. Sem um pronúncio. Sem uma sugestão. Sem nada que indicasse um fim.  Tudo é “eterno enquanto dura”. Ela escolheu ser infeliz. Uma eremita. Uma anti-social. Uma Greta Garbo (que não vive em NY). Fechou-se para a vida. Só se pergunta o que fez de errado, como se houvesse (alguma) ciência nos finais. Podia ter optado por sair todas as noites até de manhã e dormir de dia. Sendo livre, podia abraçar toda a gente. Tinha a liberdade de escolher com quem sair. Bebia todas. Pedia uma bebida e traziam-lhe uma bandeja. Saía como se não houvesse amanhã. Beijava bem. Não era de ninguém. Tinha sempre o copo cheio, pela madrugada dentro, até ser dia. Até que sentia-se mais sozinha com o passar do tempo. Era mais uma no meio da multidão. Agora, não perde tempo a conhecer ninguém. Como se tempo não fosse o que mais tem.

Tem vivido o inferno de Dante. Não vive no presente, só no passado. Não tem futuro. Deixou de saber conversar. Só frases curtas e soltas. Toda a gente desistiu dela. Ninguém aguentava (mais) aquela depressão. Aquelas frase feitas. O pessimismo. A crítica ao ser humano. Cansaram-se de que lhes pedisse espaço. Não deixa que tomem conta dela. Nem que se aproximem. Os amigos desapareceram. Depois os colegas. Depois os conhecidos. Depois os que acabava de conhecer. E no fim, ficaram apenas os cães, que não cobram nada.

Não consegue distinguir a pessoa que foi nem na que se tornou. A irracionalidade tolheu-lhe o juízo. Não consegue mais ver o lado mais bonito de si. De como é bonita por dentro e por fora. O que ela sente é uma tristeza sem fim. Tem estado muito doente. Os médicos dizem-lhe para fazer o que lhe apetecer. Mas nada lhe apetece. Passa os dias a olhar o céu e o mar. Olha para o infinito. Vive de memórias. Ele não lhe sai da cabeça. Acha que amar sozinha também vale. Melhor um monólogo que nada. Vive de migalhas. O coração, esse orgão tão físico e tão complexo só lhe dá (falsas) esperanças e (falsos) sinais. O coração é o mais irracional dos orgãos. A razão mostra uma coisa e o sentimento indica a direcção contrária. A esperança que não cessa. Apesar do tempo que passou, não consegue entender a palavra fim. E que essa palavra, segundo as estatísticas, não tem continuação nem (re)começo. Não conseguiu mudar a página.Talvez um dia consiga reparar, dentro dos seus olhos cor de amêndoa, no instante que passa. A vida é uma viagem curta. Sente-se a morrer por dentro. As lágrimas não param de lhe cair. E todos os dias as seca. Os diamantes duram para sempre mas as pessoas não. Mas agora, ela (apenas) conta as horas e os minutos para que a morte chegue.

Coração bordado em tela by Daniela Ktenas.

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