A amizade, como o amor,
não se explica. Há quem diga que tem muitos amigos. Eu não. Há quem diga que as
amizades não acabam. A minha experiência também me diz que pode, sim, acabar. O que é verdade numa amizade, ao contrário
do amor, é que nunca se fica a odiar a outra pessoa, apesar de tudo. Mas eu
também não odeio ninguém, seja porque motivo for. Esse sentimento nunca tive
por ninguém. Nunca tive muitos amigos. Dizem que não gosto de quase ninguém, a
esse ponto. Dizem que gosto pouco de pessoas. Gosto muito de algumas pessoas. E os meus amigos são aqueles a quem eu dei uma
oportunidade. Às vezes em situações difíceis, que não me envolviam, tentei
ajudar usando o meu humor judeu. Isso já me valeu o afastamento de algumas
pessoas por quem eu tive que lutar. O que é uma verdadeira amizade? Quando
damos conta que o tempo passou, e que apesar da distância e da rara
convivência, a intimidade permaneceu. É não ter capas. É falar verdade. É ser
transparente. Mas não há regras nem fórmulas.
Durante muitos anos, os
amigos que me acompanharam e partilharam a vida, vivíamos como se não houvesse
amanhã. Dançávamos, coisa que nunca fiz em público a não ser que a concentração
alcoólica fosse alta. Fumávamos sem conta e sem limite. Fizemos muitas
loucuras. Nunca nos cansávamos. Tínhamos asas muito grandes. Fizemos interventions uns aos outros. Testámos
os nossos limites. E isso passou. Há um tempo para tudo. Hoje, alguns, permanecem.
Tenho amigos de cá e de
além-mar. Amigos malucos, neuróticos, chatos. Amigos com pinta. Amigos que não
gostam de ler e que gostam de ler. Amigos que tocam piano. Amigos de todas as horas. Amigos que choram
no meu ombro e no meu colo. Amigos que já me viram chorar e com quem chorei ao
telefone. Amigos que me ampararam as quedas e os tombos. Amigos que me salvaram
a vida mais do que uma vez. Amigos que são irmãos. Amigos que me dão sobrinhos.
Amigos que se riem do meu humor judeu. Amigos que se desfazem e que “estão tão
à flor da pele que qualquer beijo de novela os faz chorar”. Amigos que perdoam.
Amigos que pedem desculpa. Amigos que se esquecem. Amigos que contam e guardam
segredos. Amigos que se expõem e que não fingem. Amigos que não se fazem de
fortes. Amigos sinceros e honestos. Amigos com corações muito grandes. Amigos
com coração sem tamanho. Amigos que me dizem que me adoram. Amigos que eu
reconheço as mãos no escuro. Amigos que
nunca me abandonam e que já me abandonaram. Amigos que vão e que ficam. Amigos
mega, tera, giga bons. Amigos que acreditam. Amigos que respeitam. Amigos que
se fazem de fortes. Amigos que cantam e que pintam. Amigos que ouvem e que
falam. Amigos de todas as horas e de todos os dias. Amigos íntimos e mais
afastados. Amigos sem definição.
É assim que eu queria
que os outros me descrevessem quando morresse: uma boa pessoa, uma grande amiga
que sempre fez bem. Este é o meu objectivo maior.
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