segunda-feira, 29 de agosto de 2016

A amizade

A amizade, como o amor, não se explica. Há quem diga que tem muitos amigos. Eu não. Há quem diga que as amizades não acabam. A minha experiência também me diz que pode, sim,  acabar. O que é verdade numa amizade, ao contrário do amor, é que nunca se fica a odiar a outra pessoa, apesar de tudo. Mas eu também não odeio ninguém, seja porque motivo for. Esse sentimento nunca tive por ninguém. Nunca tive muitos amigos. Dizem que não gosto de quase ninguém, a esse ponto. Dizem que gosto pouco de pessoas. Gosto muito de algumas pessoas.  E os meus amigos são aqueles a quem eu dei uma oportunidade. Às vezes em situações difíceis, que não me envolviam, tentei ajudar usando o meu humor judeu. Isso já me valeu o afastamento de algumas pessoas por quem eu tive que lutar. O que é uma verdadeira amizade? Quando damos conta que o tempo passou, e que apesar da distância e da rara convivência, a intimidade permaneceu. É não ter capas. É falar verdade. É ser transparente. Mas não há regras nem fórmulas.

Durante muitos anos, os amigos que me acompanharam e partilharam a vida, vivíamos como se não houvesse amanhã. Dançávamos, coisa que nunca fiz em público a não ser que a concentração alcoólica fosse alta. Fumávamos sem conta e sem limite. Fizemos muitas loucuras. Nunca nos cansávamos. Tínhamos asas muito grandes. Fizemos interventions uns aos outros. Testámos os nossos limites. E isso passou. Há um tempo para tudo. Hoje, alguns, permanecem.

Tenho amigos de cá e de além-mar. Amigos malucos, neuróticos, chatos. Amigos com pinta. Amigos que não gostam de ler e que gostam de ler. Amigos que tocam piano.  Amigos de todas as horas. Amigos que choram no meu ombro e no meu colo. Amigos que já me viram chorar e com quem chorei ao telefone. Amigos que me ampararam as quedas e os tombos. Amigos que me salvaram a vida mais do que uma vez. Amigos que são irmãos. Amigos que me dão sobrinhos. Amigos que se riem do meu humor judeu. Amigos que se desfazem e que “estão tão à flor da pele que qualquer beijo de novela os faz chorar”. Amigos que perdoam. Amigos que pedem desculpa. Amigos que se esquecem. Amigos que contam e guardam segredos. Amigos que se expõem e que não fingem. Amigos que não se fazem de fortes. Amigos sinceros e honestos. Amigos com corações muito grandes. Amigos com coração sem tamanho. Amigos que me dizem que me adoram. Amigos que eu reconheço as mãos no escuro.  Amigos que nunca me abandonam e que já me abandonaram. Amigos que vão e que ficam. Amigos mega, tera, giga bons. Amigos que acreditam. Amigos que respeitam. Amigos que se fazem de fortes. Amigos que cantam e que pintam. Amigos que ouvem e que falam. Amigos de todas as horas e de todos os dias. Amigos íntimos e mais afastados. Amigos sem definição.

É assim que eu queria que os outros me descrevessem quando morresse: uma boa pessoa, uma grande amiga que sempre fez bem. Este é o meu objectivo maior.


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