Dia de manif de taxistas em Lisboa. Eles chamaram de
greve, eu chamo de bloqueio. Aeroporto caótico. Filas e filas. Pessoas e mais
pessoas. Um mar de gente. Metro congestionado. A verdadeira democracia. Gente
de todas as idades e estratos sociais como sardinha em lata. Mas tudo acaba
dando bem. Em Lisboa não se vê um único táxi.
O concerto está marcado para as 9. Vou de metro até ao Chiado e vou comer qualquer coisa ao Mini Bar do José Avillez. Quero ficar ao balcão, como sempre quando estou sozinha. O balcão é do bar, para se aguardar enquanto não se tem mesa, mas fazem-me a vontade sem eu pedir muito. O que mais gostei foi da luz. Aquela iluminação de meia-luz como tão bem descreve Blanche DuBois em "Um eléctrico chamado desejo".: "Apaga essa luz demasiado forte! Apaga isso! Não quero ser vista debaixo desse clarão impiedoso! (...) Detesto lâmpadas sem quebra-luz (...) As pessoas frágeis têm de brilhar. Têm de usar cores suaves, cores de asas de borboletas, abafar a luz com uma lanterna de papel". O bar é ao estilo daqueles bares trendy de NYC onde se vai depois do trabalho, ou beber um copo antes ou depois do teatro e, por último, a mais comum das hipóteses, afogar as mágoas em grande estilo a beber uma pipa de massa (para depois garantir uma ressaca daquelas). Aqui a iluminação está focada nas garrafas e o que vi preparar leva-me a dizer que voltarei em breve (a minha intenção era voltar no fim do concerto para uma Margarita ou um mojito, mas nem tudo corre sempre como queremos e/ou esperamos. Devagar, dizem. O caminho faz-se caminhando. Paciência é a melhor virtude que podemos ter). Escolhi o mini hambúrguer porque só queria qualquer coisa para segurar o copo de vinho branco José Avillez. Entrei quase às 8:30 e perguntei se conseguia comer qualquer coisa até antes das 9. Disseram-me que sim. Irrepreensível. Às 8:55 já estava a pagar. Simpatia mais do que muita. Humor em doses idênticas e disponibilidade do melhor.
O Teatro São Luiz estava composto. A sala, para quem
não conhece, é muito bonita no estilo do Teatro Nacional São João. As cortinas
estão fechadas. Não esperamos muito para o início. Algumas caras conhecidas na
plateia: Anabela Mota Ribeiro, Matilde Campilho, um dos músicos da banda Cê,
achei que vi o Domenico Lacellotti (mas como sou pitosga, não aposto).
As cortinas abrem e lá está Moreno Veloso e a banda (Pedro Sá, Rafael Rocha
e Bruno Di Lullo). Estão debaixo de uma iluminação de várias cores com uma
espécie de vários candeeiros de luzes pequeninas. Eu não conhecia o Moreno no
palco. Nem nunca nos cruzamos na vida. Mas este menino de 44 anos tem uma
doçura misturada com um riso lindo e uma alegria que deve vir da Bahia. Não
imaginava que fosse tão extrovertido. Sentia-se em casa, era notório. E rodeado
de amigos. Um menino grande. Um despojado. É daqueles concertos que não se vai
para cantar nem para reconhecer mas apenas para ouvir. Foi o que fiz. Não me
lembrei do telemóvel. Perdi a noção do tempo. Não reconheci todas as músicas,
nem esse era o objectivo. Mas cantou Mambeado
aquela que diz: “Que lindo es estar en la tierra/ después de haber vivido el infierno”.
Fechei os olhos e ouvi, somente.Que bem que o Moreno a canta. Depois, chamou ao palco Luana Carvalho que tudo o que cantou
eu gostei. E eu que quase não oiço música e que não gosto de quase nada.
Cantaram juntos, a tão esperada por mim, Deusa do Amor, um verdadeiro hino ao Carnaval de Salvador
mas com batida suave, uma melodia de amor, que eu tenho ouvido em loop: uma verdadeira “cantada”: “Tudo fica mais bonito quando você está por
perto/ você me levou ao
delírio por isso eu confesso/ os seus beijos são ardentes/ quando
você se aproxima o meu corpo sente/.../ Balanço o alicerce mais forte que tem
nesse mundo/ O cupido me flechou”. Não é lindo? Não são
necessárias grandes metáforas e eufemismos para descrever o maior dos
sentimentos. Luana Carvalho que eu não conhecia nem nunca ouvi falar, imagino
que a maioria também não. Vi-a pela primeira vez no Folio, em Óbidos num showcase de música e poesia (para ler
mais aqui e aqui). Não se esqueçam, esta menina ainda vai dar muitas cartas! É só
talento. Muitos, numa só. Depois, sozinho, cantou Coisa boa a canção de ninar para os seus “filhinhos”, Mar português de Pessoa, Noite de Santo António. Dançou muito com
Luana Carvalho. Mostrou que sabe dançar. Tem swing. Dança muito! Uma alegria. Voltou duas vezes ao palco,
incluiu Arriverdeci e Leãozinho.
No final do concerto saimos felizes e de bem
com a vida. A felicidade num instante. É isto, apenas.
Todas as fotos, com excepção da primeira, foram gentilmente cedidas pela Catarina Henriques |
E no dia seguinte seria talvez o dia mais feliz da
minha vida. Mas esse merece um texto à parte. Aguardem. Eu gostava de dizer que
sou inspirada e que escrever é inspiração. Mas para mim é trabalho, tempo,
inspiração e disponibilidade. Conjugar estas coisas é uma tarefa hercúlica,
para mim. Desculpem, para quem pede muito e mais e mais.
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