segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Mara Gabrilli – Depois daquele dia

Milly Lacombe é uma contadora de boas histórias. Sobretudo conhecida pelas suas crónicas mensais na Revista TPM, pelas críticas literárias na Folha de S. Paulo e pelas reportagens/ opiniões como free lancer para os mais diversos jornais brasileiros.  Milly, descreve-se assim, brevemente: “Eu vivo de escrever porque não sei fazer mais nada na vida. Se soubesse, pararia de escrever e ia ganhar algum dinheiro”. Precisa de mais palavras? Viveu 7 anos em LA, voltou para o Brasil, onde se solidificou como escritora e voltou a sair, desta vez, rumo a NY, onde vive. A sua escrita está recheada de detalhes e pormenores, de emoções, de quotidiano, de ironia, de muitas figuras de estilo e muito humor.

Não me lembro exactamente como conheci a escrita da Milly Lacombe mas acho que me fizeram chegar uma das suas (muito bem escritas) crónicas da revista Trip. Quem me conhece bem sabe que eu sou apaixonada por biografias e crónicas!

A biografia de “Mara Gabrilli – Depois daquele dia” foi escrita entre encontros e jantares com a escritora e biografada: “Durante quase cinco anos, que foi o tempo que demorei para escrever o livro, eu fui para casa agradecendo ao universo pela chance de poder contar a história dela, e pedindo força e inspiração para fazer isso da melhor forma possível. É uma história sublime, edificante, espetacular e linda. Eu não podia errar (...) Foi uma tremenda responsabilidade (...) eu quero que a história dela seja conhecida por multidões. É uma história que precisa ser contada, uma história que pode mudar vidas, que pode inspirar e fazer a gente entender o mundo, e aprender a aceitar o ritmo das coisas. A Mara, e a chance de contar sua vida num livro, foi um presente que me deram e pelo qual eu agradeço todos os dias”.

Mas o que tem esta biografia de tão especial: “a história é a de um resgate espetacular, a verdadeira jornada do herói (...) acho que pode interessar a portugueses, irlandeses, americanos, chineses: trata-se de experiência humana universal (...) Uma menina rica e mimada que quebra o pescoço voltando da praia aos 26 anos e imediatamente aceita a nova condição. Depois de anos de reabilitação ela decide se candidatar para tentar ajudar outros que tenham a mesma deficiência mas não o mesmo saldo bancário. Se fosse ficção seria inverossímil, mas o bom é que a realidade não precisa fazer sentido”.

A Milly, que para além de uma excelente escritora, é uma excelente pessoa, enviou-me este livro para ler. Aqui fica a minha opinião, muito aquém do verdadeiro entusiasmo de o ter lido. E esperemos que daqui a pouco alguma editora portuguesa se interesse pela publicação deste livro em Portugal.

O livro começa com a descrição do acidente e tudo se desenrola com a vida de Mara, antes e depois, porque era muito mais do que o acidente. Começa de forma  dramática e  a partir dali o livro vai recuando e adiantando, conjugando passado, presente e futuro, como só a Milly sabe fazer. Quem conhece a escrita de Milly Lacombe reconhece o seu estilo neste livro e principalmente as pitadas de humor.

Com essa história que tinha tudo para ser triste e trágica,  Milly Lacombe mostra-nos o intenso processo de superação e adaptação de Mara. O livro conta o acidente no qual Mara fica tetraplégica. Usa uma forma muito dinâmica repleto de analepses e prolepses. Mistura passado, presente e futuro. Muita verdade, muita coragem, muito exposto e muito despido de preconceitos é como pode ser descrito, de uma forma simplista. Com o decorrer da leitura, Mara parece ser uma super-mulher, que supera obstáculos como se não fosse tetraplégica, com uma vontade de lutar que não parece humana, com um optimismo que não parece real. Mas depois disto, aparecem os defeitos, as discussões, as manias, que chega até a dar raiva. Mas o livro é muito mais do que isto. Mostra que Mara continuou com a sua vida profissional agitada, que manteve os seus relacionamentos, vida sexual e passou a ajudar os outros que não têm as mesmas condições financeiras que ela.

No filme Mar Adentro (baseado em factos reais, realizado pelo espanhol Alejandro Amenábar, em 2004), o personagem de Ramón Sampedro, vivido por Javier Bardem, luta pelo direito à eutanásia depois de uma fractura semelhante à de Mara a ao mergulhar no mar. Mexer apenas a cabeça não é para ele viver. Dois casos semelhantes com atitudes perante a vida tão diferentes.  Mara, não só não desistiu de viver como acha que a vida vale a pena (mesmo só mexendo a cabeça). Desde o acidente não pára mais de se mexer: criou a ONG que ajuda pessoas com dificuldade de mobilidade, candidatou-se a vereadora, foi nomeada secretária municipal e depois deputada federal.


A nossa vida pode mudar de repente, sem aviso prévio, e  radicalmente para pior. Nem todos estamos preparados e nem todos sabemos lidar com isso. Sobretudo, quando esta mudança limita o desempenho físico e actividades quotidianas. Tudo o que aprendemos desde que nascemos deixa de existir. De uma forma minimalista, é disto que se trata esta biografia: reaprender a viver, aceitar e não se revoltar. Ler este livro, não fará mal a ninguém, muito pelo contrário. É um murro no estômago. Depois de lermos este livro não ficamos indiferentes. Fazendo minhas as palavras da Milly, muitos dos relatos deste livro parecem inverosímeis, mas a verdade  “é que a realidade não precisa fazer sentido”.


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