quinta-feira, 10 de abril de 2014

Uma conversa com Richard Zimler

Richard Zimler chegou ligeiramente atrasado. Revelou que já tinha estado em Braga mas nunca na Centésima Página. Sala cheia para o ouvir. Prefere uma pequena introdução e pede perguntas. Eu comecei. Este último livro “A sentinela”, tal como o anterior “Ilha Teresa” são bastante diferentes dos outros porque são actuais. “A sentinela” mantém traços marcantes do autor: tem um personagem que é americano e judeu e tem um personagem homossexual. Pergunto-lhe pelo pai violento de Henry, que apesar de ser violento, extremamente violento, não é um abusador sexual, tema tão actual. Eu não sabia que o Richard Zimler teve um pai violento e que também maltratava a mãe verbalmente. Falou longamente sobre isso. Como o pai queria que os filhos o respeitassem e que não sabia a diferença entre respeito e medo. Falou de como a mãe foi depressiva e se manteve em casa longe do mundo e que não se vestia. Questionei-o também sobre o facto do cenário do livro ser em Lisboa. Porque não no Porto que ele conhece tão bem? Como é que le descreve tão bem Lisboa, o Chiado e afins não vivendo em Lisboa? Lisboa foi usado por ser uma cidade apelativa. Começou por me dizerque não gosta dessa “guerra” entre Porto e Lisboa. Mas que isso acontece entre San Francisco e L.A., por exemplo. Conhece muito bem Lisboa e gosta muito da cidade. Passou algum tempo em casa de um amigo na Rua do Vale, “daquelas ruas que têm roupa a secar e gatos” e que também foi a cidade para onde o sogro se mudou. Lembra-se dos almoços e da casa em Campo de Ourique.

A crise moral foi também longamente discutida. Deu o exemplo do caso Madoff que foi julgado e condenado em 6 meses. Que em Portugal tudo prescreve e que as pessoas não acreditam na justiça. Deu um exemplo de quando acompanha “a minha cara-metade” a jantares de cientistas, onde a maioria não o conhece e se limitam a ignorá-lo. E que já aconteceu pessoas posteriormente reconhecê-lo como Richard Zimler, o escritor e lhe pedirem muitas desculpas por não o terem tratado como tal.

Discutiu-se e foram muito elogiados os romances “A sétima porta” e “Meia noite e o princípio do mundo”. Muitas pessoas muito familiarizadas com a extensa obra do Richard. Foi muito emocionante ouvi-las falar demoradamente de pequenos pormenores e de personagens que as tocaram. Pessoas a citar frases, e mais do que isso, a considerarem que aquele livro é um grande apoio. Não me lembro da última vez que ouvi coisas tão bonitas em tão reduzido tempo.

Uma leitora que tinha lido todos os seus livros comentou que quando leu “O último cabalista de Lisboa” se interrogou “O que faz um americano judeu em Portugal?”.

Richard falou também que gosta muito de ser judeu e que até brinca com isso mas que discorda totalmente de os judeus se considerarem o “povo eleito” ou o “povo escolhido”. Falou também de grandes escritores judeus como Primo Levi e Philip Roth. Mas também não deixou de criticar a política externa norte-americana  e a sua ignorância que levou à morte de 2 milhões de vietnamitas e a repetição do mesmo erro na invasão do Iraque. Elogiou o seu amigo Barack Obama e que não achava possível um negro ser eleito como presidente dos Estados Unidos e como isso foi um sonho concretizado.

Muitas mais coisas foram faladas, muitas palavras bem ditas, muita sinceridade nos elogios, muita sensibilidade dos leitores, muitas opiniões de fundo da alma, muitos sorrisos, muita partilha. Afinal para que servem os livros?

Muito obrigada, Richard!








2 comentários:

  1. E o meu?! Estou em pulgas para me introduzir no mundo Zimler!!!!!!!

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  2. Oh, Aninha, que bem escrito. Obrigado por partilhares esse teu encontro. Li o "A Sétima Porta" e gostei imenso. O teu texto lembrou-me os tempos da Conversa no Tanque no Velha-a-Branca. Beijinhos.

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