sexta-feira, 27 de março de 2015

Finalmente, a defesa do doutoramento

O RP começou oficialmente o doutoramento em 2007 e defendeu-o no passado dia 11 de Março. Passaram-se exactamente 8 anos. Camadas de tempo. Dizem que para evoluirmos não há atalhos. Só o tempo. E o tempo ensina tudo.

No dia antes da defesa o RP treinou todo o dia sozinho no auditório do 3B’s. Sozinho, como queria. Há momentos assim solitários. Passei por lá várias vezes durante o dia, rapidamente, para ver se precisava de alguma coisa. No fim do dia foi o ensaio geral. O tempo de apresentação deveria ser 20 minutos. Ele não conseguia fazer em menos de 25. Depois de ver uma apresentação completa precisava de deixar o Rui em qualquer lado enquanto eu compraria a prenda dele que me estava destinada. Não consegui nenhuma desculpa. Como não tínhamos lanchado, fomos jantar relativamente cedo, antes das 8. Fomos à Sagres e preferi o balcão, onde quase sempre fico, e onde se está mais resguardado de olhares alheios. O Porto jogava na TV. Eu não dava muita importância. O RP estava meio distraído. Apanhava-o a falar baixinho. Falamos sobre a defesa e do que lhe poderiam perguntar. A hipótese de perguntas era infinita. Mas eu sabia que ia correr bem. Não bebemos álcool. O RP bebeu uma água e eu uma coca-cola. Comemos caldo verde, queijo e salpicão de entradas. E depois um bife grelhado cada um. Fiz-lhe algumas das perguntas que acharia que lhe pudessem fazer. Verificamos, no dia seguinte que três delas coincidiram. Falamos em inglês. Os cozinheiros e os funcionários, que me conhecem, olhavam espantados. E depois sorriam. Acho que o nervosismo era visível. O RP não conseguiu acabar o prato principal dele. Sintomas admissíveis pré-defesa. O jogo ainda não tinha acabado quando saímos. Subimos para minha casa e o RP continuou a treinar. Eu fui levar a Bu à rua. O que deveria ter demorado não mais do que 10 minutos transformou-se em mais de uma hora porque encontramos a Becky e a Zara e os donos. Assim, o RP também esteve sozinho. Esta solidão que antecede uma tese, uma cirurgia, um exame, uma corrida, um parto, um concerto, um espectáculo, um desempenho, não pode ser ajudada nem partilhada. Imprevisível e só como a vida e a morte.

No dia seguinte fui de manhã comprar a prenda com o dinheiro que reunimos. O A. teve a ideia dos livros. Tinha como títulos possíveis: “Despertares” Oliver Sacks, “O imperador de todos os males” Siddhartha Mukherjee e “A vida imortal de Henrietta Lacks” Rebecca Skloot. Não encontrei nenhum destes. Comprei 4 livros: um do Calvin and Hobbes (que o RP gosta muito e cuja frase “sandes de atum” tem como email), e as biografias de Egas Moniz, Einstein e Stephen Hawking. Como agora os sacos de plástico são pagos resolvi també,m comprar-lhe um saco (daqueles que dá para ir às compras) com a frase: “Diz-me o que lês dir-te-ei quem és”.


À hora de almoço o RP e a irmã passaram em minha casa. O RP conduzia. Disse que preferia assim porque assim distraía-se. Enquanto eu e a irmã dele falávamos de trivialidades, ele ia compenetradíssimo a “rezar” (como eu chamo ao discurso baixinho dele). Só nos dizia que não se lembrava de nada e que não conseguia apresentar em 20 minutos. Mas eu sabia que ia correr bem. Só podia correr bem. O RP não é o mesmo que eu conheci no início da licenciatura. Se há exemplo de evolução que conheço é este. O RP não é o típico nerd. É um curioso. É um apaixonado pelo trabalho de laboratório. E para além disso, gosta de ler. Foi ele que me mostrou os livros controversos do Kerry Mullis e do Dulsberg. Foi com ele que falei do George Orwell. Falamos de Herberto Helder. Só (ainda) não me convenceu a gostar de banda desenhada. E para além disto tudo, fala apaixonadamente sobre o seu objecto de estudo. É um encanto ouvi-lo falar daquilo que gosta. E a defesa dele foi assim. Uma conversa fluída cheia de histórias, exemplos e até humor. E concordo com o RLR que o RP argumentou com sabedoria e citou o estado da arte actual. Defendeu a sua causa e arrasou, delicadamente e sofisticadamente, de quase todos. Deu gosto ver. Foi uma defesa com classe. A cereja no topo do bolo. Pouco ajudado nos últimos tempos mas apoiado pelo orientador que o empurrou para este dia. Se não tivesse sido assim, "de repente, não mais do que de repente", provavelmente este dia não chegasse tão cedo. E o RP não desiludiu. Orgulhosa por ter um amigo apaixonado assim por aquilo que faz e que o mostrou publicamente de uma forma tão sublime. Parabéns R, já está! O simples tão difícil!


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