O RP começou oficialmente o doutoramento em 2007 e
defendeu-o no passado dia 11 de Março. Passaram-se exactamente 8 anos. Camadas
de tempo. Dizem que para evoluirmos não há atalhos. Só o tempo. E o tempo
ensina tudo.
No dia antes da defesa o RP treinou todo o dia sozinho no
auditório do 3B’s. Sozinho, como queria. Há momentos assim solitários. Passei
por lá várias vezes durante o dia, rapidamente, para ver se precisava de alguma
coisa. No fim do dia foi o ensaio geral. O tempo de apresentação deveria ser 20
minutos. Ele não conseguia fazer em menos de 25. Depois de ver uma apresentação
completa precisava de deixar o Rui em qualquer lado enquanto eu compraria a
prenda dele que me estava destinada. Não consegui nenhuma desculpa. Como não
tínhamos lanchado, fomos jantar relativamente cedo, antes das 8. Fomos à Sagres
e preferi o balcão, onde quase sempre fico, e onde se está mais resguardado de
olhares alheios. O Porto jogava na TV. Eu não dava muita importância. O RP
estava meio distraído. Apanhava-o a falar baixinho. Falamos sobre a defesa e do
que lhe poderiam perguntar. A hipótese de perguntas era infinita. Mas eu sabia
que ia correr bem. Não bebemos álcool. O RP bebeu uma água e eu uma
coca-cola. Comemos caldo verde, queijo e salpicão de entradas. E depois um bife
grelhado cada um. Fiz-lhe algumas das perguntas que acharia que lhe pudessem
fazer. Verificamos, no dia seguinte que três delas coincidiram. Falamos em
inglês. Os cozinheiros e os funcionários, que me conhecem, olhavam espantados.
E depois sorriam. Acho que o nervosismo era visível. O RP não conseguiu acabar
o prato principal dele. Sintomas admissíveis pré-defesa. O jogo ainda não tinha
acabado quando saímos. Subimos para minha casa e o RP continuou a treinar. Eu
fui levar a Bu à rua. O que deveria ter demorado não mais do que 10 minutos
transformou-se em mais de uma hora porque encontramos a Becky e a Zara e os
donos. Assim, o RP também esteve sozinho. Esta solidão que antecede uma tese,
uma cirurgia, um exame, uma corrida, um parto, um concerto, um espectáculo, um
desempenho, não pode ser ajudada nem partilhada. Imprevisível e só como a vida
e a morte.
No dia seguinte fui de manhã comprar a prenda com o dinheiro
que reunimos. O A. teve a ideia dos livros. Tinha como títulos possíveis:
“Despertares” Oliver Sacks, “O imperador de todos os males” Siddhartha Mukherjee
e “A vida imortal de Henrietta Lacks” Rebecca Skloot. Não encontrei nenhum
destes. Comprei 4 livros: um do Calvin and Hobbes (que o RP gosta muito e cuja
frase “sandes de atum” tem como email), e as biografias de Egas Moniz, Einstein
e Stephen Hawking. Como agora os sacos de plástico são pagos resolvi també,m
comprar-lhe um saco (daqueles que dá para ir às compras) com a frase: “Diz-me o
que lês dir-te-ei quem és”.
À hora de almoço o RP e a irmã passaram em minha casa. O RP
conduzia. Disse que preferia assim porque assim distraía-se. Enquanto eu e a
irmã dele falávamos de trivialidades, ele ia compenetradíssimo a “rezar” (como
eu chamo ao discurso baixinho dele). Só nos dizia que não se lembrava de nada e
que não conseguia apresentar em 20 minutos. Mas eu sabia que ia correr bem. Só
podia correr bem. O RP não é o mesmo que eu conheci no início da licenciatura.
Se há exemplo de evolução que conheço é este. O RP não é o típico nerd. É um curioso. É um apaixonado pelo
trabalho de laboratório. E para além disso, gosta de ler. Foi ele
que me mostrou os livros controversos do Kerry Mullis e do Dulsberg. Foi com
ele que falei do George Orwell. Falamos de Herberto Helder. Só (ainda) não me convenceu a gostar de banda desenhada. E para além disto
tudo, fala apaixonadamente sobre o seu objecto de estudo. É um encanto ouvi-lo
falar daquilo que gosta. E a defesa dele foi assim. Uma conversa fluída cheia
de histórias, exemplos e até humor. E concordo com o RLR que o RP argumentou com
sabedoria e citou o estado da arte actual. Defendeu a sua causa e arrasou,
delicadamente e sofisticadamente, de quase todos. Deu gosto ver. Foi uma defesa
com classe. A cereja no topo do bolo. Pouco ajudado nos últimos tempos mas
apoiado pelo orientador que o empurrou para este dia. Se não tivesse sido
assim, "de repente, não mais do que de repente", provavelmente este dia não
chegasse tão cedo. E o RP não desiludiu. Orgulhosa por ter um amigo apaixonado
assim por aquilo que faz e que o mostrou publicamente de uma forma tão sublime. Parabéns R,
já está! O simples tão difícil!
Sem comentários:
Enviar um comentário