Há muitos anos vi Despertares
(Awakenings) o filme baseado no livro
homónimo de Oliver Sacks que descreve o acordar de vários doentes psiquiátricos
que devido a uma encefalite ficaram como estátuas e depois de muitos anos,
através da administração de uma determinada medicação “acordaram”. Mas fiquei a
saber quem era Oliver Sacks apenas em 2011 quando fui para NY e a C. me falou
da sua longa obra. Desde aí foi um descobrir de cada livro. Cada um melhor que
outro. Sem ordem cronológica. A única coisa que lamento é nunca ter estado
pessoalmente com ele, como estive com tantos outros escritores e/ou cientistas
que admirei.
Oliver Sacks nasceu em Londres em 1933 e morreu em NY em
Agosto deste ano. Quando tinha 12 anos um professor perspicaz escreveu: “O Sacks
irá longe, se não for longe de mais”. Esteve num colégio interno. Adorava
motas. Os pais e os dois irmãos mais velhos eram médicos. Estudou em Oxford. Adorava
ler, escrever e nadar. Teve uma educação
judia. Aos 18 anos disse aos pais que preferia rapazes. A mãe, supresa
disse-lhe: “És uma abominação. Preferia que nunca tivesses nascido”. A mãe que
era aberta e encorajadora, mostrou-se neste assunto retrógrada, dura e inflexível.
Ele refere que nos anos 50 o comportamento homossexual não era apenas uma
perversão mas um crime. Viveu a maior parte da vida com sentimentos de culpa. A
primeira vez que assumiu publicamente a sua homossexualidade foi nesta
autobiografia aos 82 anos.
Era um entusiasta de química e biologia marinha. Nunca teve
uma grande autoconfiança intelectual mas era considerado uma cabeça brilhante.
Era obcecado por ciências e por literatura. Lia todos os originais e fontes,
incluíndo Darwin. Dentro dos livros interessava-se especialmente por biografias.
Viajou bastante. Paris, onde descreve a primeira tentativa
de uma relação sexual com uma prostituta que não se consumou. Viajou à
boleia com um amigo onde percorreu França
e Alemanha. Conheceu a Viena d’O terceiro
Homem de Graham Greene. Após o curso foi para um kibbutz “ango-saxónico” perto de Haifa. Viajou por Israel:
Jerusalém, Haifa, Telavive, Mar Vermelho. Voltou pela terceira vez a
Amesterdão, desta vez, sozinho para se perder na cidade (mais concretamente
para perder a virgindade). Enfrascou-se até não haver amanhã, e com a coragem
de bêbado levantou-se e viu que mal se segurava de pé. Acordou numa cama
desconhecida, depois de possivelmente, ter desmaiado. A primeira experiência
sexual não ficou gravada devido ao estado de inconsciência.
O irmão mais novo era esquizofrénico. Estava sempre a ler,
tinha uma memória prodigiosa. Aos 15 anos tornou-se psicótico. Recebeu
tratamentos com terapia de choque de insulina, nos quais se baixava os níveis
de glicose no sangue até à perda de consciência e depois restaurá-la com
glicose. Esta era o tratamento em voga para a esquizofrenia em 1944 e seguida,
se necessário fosse de electrochoques ou lobotomia. Os tranquilizantes só
apareceriam 8 anos mais tarde: Largactil
(inglaterra) e Thorazine (EUA). Preveniam
as alucinações e delírios mas como efeitos secundários davam um andar curvado e
o arrastar dos pés. Em O tio Tungsténio
escreveu sobre as primeiras manifestações de psicose do irmão.
Fez o internato médico no Middlesex Hospital. Deixou
Inglaterra aos 27 anos para se afastar
do irmão mais novo, que não conseguia ajudar. Mas por outro lado, talvez
procurasse estudar pacientes com esquizofrenia e outras perturbações mentais e cerebrais.F
oi, primeiro, para o Canada, Monreal. Teve aí um professor que o aconselhou a
visitar as universidades no EUA: “A América é o lugar certo para si. Se for
bom, será reconhecido. Se for um impostor, depressa o desmascaram”. Chegou a São
Francisco e decidiu nesse dia que era ali que queria viver: “a cidade com que
sonhara durante anos”. Esteve no Mount
Zion. Aos fins de semana fazia grandes viagens de mota pela California. Aqui, ficou adepto de
levantamento de pesos, treinando de forma intensiva e até obsessiva. Em 1962
foi para a UCLA. No início dos anos 60 começaram a surgir mais conhecimento
sobre as drogas psicoactivas. Descreve uma pedrada de Artane (fármaco anti-Parkinson) com 20 comprimidos para uso recreativo.
Verificou que não lhe aconteceu nada mas passado algum tempo começou a alucinar
e “viu” e “ouviu”pessoas irreais. Descreve também as suas experiências com canabis,
sementes de glória-da-manhã e drogas sintéticas como o LSD, anfetaminas e a sua dependência durante 4 anos. A partir daqui
só piorou: marijuana aditivada com speed,
metanfetamina injectável ou em comprimidos. As festas de pó de anjo(fenilciclidina-PCP) em East Village. Falou desta última
em O homem que confundia a mulher com um
chapéu.
Aos 20 anos conheceu Richard Selig, dois anos mais velho, que foi o seu primeiro amor (não correspondido). Achava-o um génio e admirava o seu conhecimento do mundo. Confessou o seu sentimento por ele mas Richard disse não ser como ele e que gostava dele à sua maneira. Não se sentiu rejeitado ou destroçado.
Em 65 muda-se para NY para integrar o programa de
Neuroquímica e Neuropatologia Albert
Einstein. Ainda tinha a esperança de wse tornar um verdadeiro cientista, um
cientista de laboratório. Vivia em Greenwich Village e ia de mota para o Bronx.
Começou a ver doentes no Beth Abraham,
um hospital para doentes crónicos. Cerca de 80 pacientes eram sobreviventes da
pandemia de encefalite letárgica (doença do sono), cujos sintomas “congelados”
em profundos estados catatónicos, aparência de estátuas, posturas forçada e
olhares fixos. Muitos estavam assim há mais de 30 anos. Sacks passou um ano e meio a tirar notas e
observá-los e prescreveu-lhes L-dopa. Os resultados foram claros e espectaculares.
Despertaram para a vida. Este episódio deu origem ao livro Despertares (Awakenings)
que mais tarde foi adaptado a filme com os actores Robin Williams e Robert De
Niro nos principais papéis. Auden, sobre este livro disse ser uma “obra-prima”.
Era tímido, acanhado e inseguro. Virou-se para as drogas
quando se sentiu “desesperadamente só e rejeitado”. Tinha dificuldade em
reconhecer caras. Pouco sabia de actualidades. Tinha a tendência, para em
contextos sociais, ficar a um canto, fazer-se invisível, na esperança que o
ignorassem.
Descreve no livro muitas doenças e sintomas dos seus
pacientes de uma forma perceptível para os leigos. Menciona todos os cientistas
e mentores com os quais conviveu. Os encontros sexuais, as paixões e rejeições.
As descrições de experiências sexuais sob o efeito de anfetaminas. E como
perdeu amigos/amantes para o vício das drogas. E da sua experiência com a
psicanálise, que fez duas vezes por
semana desde que chegou a NY, sempre com o mesmo médico, até à sua morte.
Sobre NY, cidade que escolheu viver depois de São Francisco
e LA, escreveu: “É de facto uma cidade maravilhosa, rica, entusiasmante,
ilimitada em amplitude e profundidade – como Londres;embora as duas sejam muito
diferentes. NY é cheia de luzinhas, cintilante, como qualquer cidade vista de
um avião à noite: é um mosaico de qualidades e pessoas e épocas e estilos, uma
espécie de enorme puzzle urbano”.
Os seus maiores interesses incluíam grandes caminhadas ao ar
livre, ler, escrever, nadar, tocar piano, fotografar, viajar, diários e
descrições das manifestações clínicas dos seus doentes. Adorava os passeios a
pé pelo Jardim Botânico de NY. Foi amigo de Francis Crick, Auden, entre outros.
Em 2005 descobriu um melanoma no olho direito. O cancro foi tratado com radiação e lasers. Em 2008, aos 75 anos, após mais de 30 anos de abstinência sexual,
conheceu Billy Hayes por quem se apaixonou e foi o seu companheiro até à sua
morte. Há poucos meses teve uma recidiva com metástases no cérebro. Mau prognóstico. Restaram-lhe poucos meses de vida.
Grande autobiografia, não fosse escrita por um médico que
dominava a escrita tão bem. A tradução está aquém da qualidade do livro.
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