Eu sei que vou correr o risco de ser mal interpretada. Mas não resisto a
escrever sobre este episódio.
Gosto sempre de saber mais e mais sobre as coisas que me interessam e sobre
as que não me interessam, também. No entanto, chamem-lhe falta de paciência ou
qualifiquem como quiserem. Mas há coisas para as quais nunca tive paciência, e
com a idade, está a tornar-se pior. Há, de facto, tanta gente
desinteressante no mundo.
As pessoas que me conhecem sabem a dificuldade que tenho para interagir com
pessoas que não conheço. Tenho vindo a melhorar, é verdade. Sou daquelas
pessoas que acham que se aprende sempre com alguém mais culto, mais instruído,
mais intelectual. Mas adoro o contrário. Pessoas carregadas de afecto,
genuínas, honestas, verdadeiras, independentemente da sua instrução. Acho, na
maior parte das vezes, que existe sempre algo a aprender com o ser humano. Morro
de amores por histórias de pessoas que eram analfabetas mas ensinaram tanto a
tanta gente. Pessoas que eram analfabetas e aprenderam a escrever e a ler para
rezar. E outras que eram analfabetas que aprenderam a escrever para poder
escrever cartas de amor.
O que eu não suporto e não consigo entender são os (vou chamar-lhes assim):
cagões. É sobre eles este texto.
Nas conferências, pelo menos as que eu vou frequentemente, as refeições são
sempre volantes. De pé ou sentado mas sem lugar marcado nem mesa posta. Pois
bem, ao engano, hoje fui parar a uma mesa de "cagões", ainda por cima, que não
conhecia. Num outro texto explicarei porque fui lá parar. Fiz uma pequena descrição destas pessoas a alguns amigos e sugeriram-me este nome, que seria perceptível. Pois bem, em 10
pessoas não se aproveitava nenhuma. A do meu lado direito devia estar nos 40,
que parecia passar dos 50, mas achava que tinha 20. Cheguei à conclusão
que não podia ter mais de 50 porque tinha filhos pequenos. Maquilhagem má
e roupa que não era coincidente, nem com a idade, nem com tecido adiposo a mais
que insiste em aparecer, nos locais menos próprios, com o passar dos anos. Mas
esta era a melhor de todos. Desinteressante sim, mas também não era a pior. Um
casal na casa dos 20. Tão desinteressante e vazio mas que se achavam os maiores
da rua deles. Bronzeados de solário ou de jet
bronze. Sei que não passavam dos 20 porque ela ainda tinha acne,muito
disfarçada com camadas de maquilhagem, como se fosse aparecer na televisão. A
roupa dela, nem consigo descrever para o que é que ela ia vestida aquela
hora... Ele tinha um casaco que parecia o Goucha e um penteado que, juntamente,
com a cor de cenoura da cara e das mãos e os ténis brancos, fazia lembrar um
homem com profissão pouco recomendável. Tinha um anel gigante no indicador e
uma aliança dourada na mão direita. O almoço era buffet mas sentado. Então, o “casalinho maravilha”, que se tratava
por “mor” (com pronúncia do norte), depois de se ter levantado para ir buscar a
comida, achou que as bebidas não seguiam o mesmo trâmite. Era vê-los de mão no
ar e gestos muito afectados a chamar pelos funcionários porque queriam beber.
Os funcionários, muito educadamente, informaram que as bebidas seguiam as
mesmas regras da comida. Self service,
sirvam- se do que quiserem, espumante, alvarinho, vinhos do Dão branco e tinto.
Águas com gás e sem, por favor. A menina do casal, com tão boas maneiras, não
gostou das ervilhas e não tem mais nada melhor a fazer, e nem por um momento se
questionou se haveria alguma regra de etiqueta que lhe tivessem ensinado quando
criança, e despeja (como se estivesse a limpar o prato para colocar na máquina
de lavar louça) o conteúdo do prato no prato do namorado/companheiro/marido (não consegui perceber). Daí a poucos minutos, como queriam comer muito e
rápido, não se sentiram constrangidos, e limpam um dos pratos para o outro e
empurram-nos, empilhados, para a frente. Palmilhas meninos. Os vosso gestos
afectados não adiantaram de nada quando se tem estas maneiras à mesa.
[coitadinha de mim que sempre implicavam comigo em criança porque colocava os
cotovelos na mesa]. Fiquei sem saber a que classe profissional pertenciam.
Estavam muito orgulhosos porque tinham à sua frente um livro autografado, que
ainda não tinham lido porque tinham acabado de comprar, de um best seller autor do nosso país (do qual
falarei noutro texto). Os do meu lado esquerdo eram os fornecedores do
vinho do almoço. Ela quase sempre calada e ele só perguntava “E o vinho, que
tal?”. Só me apetecia responder: “Ó pá, eu sei lá, só sei que os meus
preferidos são os do Alentejo, alguns do Douro e outros da região de Setúbal e
pouquíssimos do Dão”. Mas tu aqui só tens alvarinho, Dão e Bairrada. Pá,
demasiadamente ásperos e brutos para o meu palato, mas nada pessoal, pá”. E
ele continuava: “Sabem mesmo a uva, não sabem?”. E ele queria que soubessem a
quê? Para quê pleonasmos de baixo valor literário? Mas a melhor surpresa estava
guardada para o fim. Le grand finale.
O casal de criaturas era o que se apelidam de “os verdadeiros”. Cagões em
estado puro. A nata da nata do pseudo snobismo. Então vamos lá. Quem é que a um sábado de manhã, num evento
informal ao fim de semana, aparece de blazer azul marinho, camisa branca de
punho duplo (daquelas um número abaixo quando o tórax e a proeminente barriga
pediam um numero acima), gravata e lencinho na lapela. As calças eram de ganga,
na moda, pois claro, ao estilo que encolheram na máquina – acima dos tornozelos
(quando se levantava, de tão curtas era de dar dó da figurinha ridícula). Os sapatos,
de fivela dupla, eram de cor bege... O cabelo era incrivelmente bem penteado
com a ajuda de gel e tinha uma barba que parecia desenhada a régua e esquadro.
Eu só imaginava quantas horas aquele homem teria demorado a ficar assim.
Acompanhado, claro da sua partner,
que era apenas uma figurante ao seu lado e não fez mais nada a não ser sorrir.
Limitava-se a afagar enorme ego dele.
Este tinha sido o fulano que colocora minutos antes a brilhante e profunda
questão “Não deveríamos escrever cartas de amor a nós próprios?”. Nem vou
perder tempo a explicar o grave problema de ego que este homem deve ter, ao
estilo de Trump. Ninguém ensinou a este senhor que excesso de ego pode ser uma
doença, vá, um distúrbio. Eu mal o vi, mais as suas perguntas e o seu estilo e
deduzi logo o que ele seria. O que eu imaginei é que ele não era mais do que
estes empreendedorzitos, que agora estão muito na moda, que se ocupam a fazer
negócio e aproveitarem-se daquilo que ninguém se lembraria. Coisas sem jeito
nenhum para crianças, ensinar velhotes a fazer qualquer coisa, ensinar gente
com poucas apetências sociais a serem os palhaços lá da rua... Para melhor se
visualizar, um gajo semelhante aquele fulano que um dia o Relvas escolheu
através do youtube. O gajo que em plena crise disse que enquanto uns choravam
ele fazia os lenços para se assoarem...
Educadamente, pedi licença, despedi-me, saí da mesa e pensei para mim que
nunca mais me sentaria numa mesa assim. Melhor ficar sem comer do que passar a
tarde a pensar em quão rarefeitos e vestigiais eram aqueles cérebros feitos de
nada ou apenas daquilo que queriam mostrar aos outros. Gente tão cheia de si.
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