Quando as expectativas são muitas corremos o risco de (muito) facilmente nos decepcionarmos. Os meus amigos dizem que é isso que vai acontecer quando eu for ao Rio de Janeiro. Essa cidade que eu quero conhecer desde que me entendi como gente e sem razão aparente insisto em adiar. Quando me perguntam o que me falta na vida digo que já podia morrer mas, por favor, não antes de conhecer o Rio de Janeiro. Temos (até) jogo de apostas. Eu sei que vou adorar. Só falta (mesmo) ir.
Pois bem, sou uma pessoa de hábitos, de frequentar o que gosto, onde me tratam bem, faz-me sentir em casa. É, talvez, um conforto. Quem sabe, talvez, sentir-me em casa para quem já tantas vezes mudou e que se sentiu (algumas) vezes a sensação de não saber o lugar ao qual pertence. Ultimamente, desafiando os meus hábitos e gostos, tenho dado comigo a experimentar o novo. Novos restaurantes, hotéis, lojas, cidades. Não repetir. E sentir isso. Nos últimos tempos tenho ido com muita frequência a Coimbra. E de todas as vezes que tenho ido fico num hotel diferente. Desta vez decidi-me pelo mítico Hotel Astoria. Um hotel imponente, lindíssimo que faz parte da imagem, que sobrevive ao tempo da baixa de Coimbra, em frente ao Mondego. Dos mesmos donos do Curia e do Bussaco. Uma desilusão. Um hotel que deve ter vivido momento áureos mas que neste momento vive (apenas) do passado que não existe (mais). O aspecto exterior do edifício e a vista que dele se tem é o máximo do melhor que se vai encontrar. Tudo o resto, nem sei como classificar. Começa na recepção. O atendimento é sem graça, mediano, apenas cumpridor. Apenas o necessário, poucas palavras, desanimado. Entregam-me a chave do quarto e é mesmo uma chave. Naquele instante achei peculiar, único. Já não se encontram lugares assim, pensei eu no meu excelso optimismo. Elevador antigo, com o que sobra do luxo de outros tempos, com um sofá de veludo cor de vinho, umas fotografias desbotadas e maltratadas pelo tempo dos outros irmãos (Bussaco e Curia). Se a ideia era apelar à visita, por favor, retirem estas fotos. A vontade sincera é de, apesar da curiosidade, a julgar por este, será outra (grande) desilusão. Vamos ao quarto. Eu nem tirei fotografias para não me acusarem, algum dia, de estar ao serviço (pago) da concorrência. Parou no tempo. E parar no tempo poderia ser bom mas não é. Alcatifa a precisar de substituição urgente. O cortinado pesado deve ser uma acumulação de pó e tudo o que de pior há. A mobília é constituída por duas mesinhas de cabeceira e uma cama de casal a precisar de manutenção urgente. O resto é um armário e uma cómoda. Não existe nem uma cadeira nem uma secretaria. A casa de banho é talvez o mal menor. Antiga mas limpa. As roupas eram igualmente limpas. Mas somente. Não havia tomadas livres. Os candeeiros estavam arranjados com fita. Tudo parou no tempo e o que se faz não é uma boa manutenção mas pequenos arranjos sem qualquer classe ao nível do que já foi este hotel. A televisão é daquelas que havia nas cozinhas há 20 anos atrás e não tem (sequer) mais de quatro canais. Internet, apesar de dizerem que existe, não tem sinal. Aproveitei para ler e dar um avanço às minhas leituras. A vista é a única coisa a aplaudir. Estou no quarto andar e os telhados e a vista da alta de Coimbra lá fora. Gosto sempre da parte dos pequenos almoços embora não o varie. É sempre o mesmo: pão com manteiga e café com leite, aqui ou em Shangai. Às vezes vá, talvez um croissant. O pequeno almoço, pelo menos para mim, é o melhor para tudo o que é mau. Variado, vários pães, croissants, bolos, iogurtes, ovos, frutas, compotas... E felizmente, o leite e o café são à moda antiga. Já que o hotel congelou no tempo, o leite e o café estão em recipientes que os mantém quentes. As mesas estão postas com chávenas e talheres. Mas as toalhas, meu Deus, as toalhas! Feias como a morte. De um tecido sintético florido em tons de rosa velho. Não seria melhor umas tolhas simples, brancas de algodão? Chego facilmente à resposta. Não, porque implicaria serem mudadas porque a sujidade seria visível. Assim disfarça-se como se pode. A sala que deveria ser uma coisa fantástica nos grandes tempos tem ar de abandono e falta de classe. As cadeiras que deveriam ser de uma beleza única foram reparadas com os piores materiais. Cobriram-nas com um pano de veludo fraco preto às riscas brancas. E como eu sou perita em encontros imediatos de terceiro grau tinha que encontrar alguém. Então quem são as únicas pessoas na sala: eu e uma mesa em que está um casal é uma bebé que deve ter um ano. Ela fala alto , diz que gosta muito de pequenos almoços de hotel, está de calças de fato de treino justas e uns óculos gigantes de sol. O homem que a acompanha parece mais novo e saído de uma qualquer programa desses trogloditas da tv. A voz é-me familiar. Tento puxar pela minha memória auditiva, tento confrontá-la com a imagem real que vejo. Após alguns minutos chego lá: Joana Amaral Dias. Sim, aquela do Bloco de Esquerda que depois foi mandatária da campanha de Mário Soares à PR, e que parece ter caído no esquecimento depois do mediatismo de ter aparecido grávida e nua numa revista de uma apresentadora de tv com um tom de voz muito agudo. Conclusão, o preço final da estadia foi de 57 euros. Há outros hotéis mais simpáticos, prestáveis, adequados, melhores e mais baratos. Conselho: não deixem morrer estas preciosidades da história. Nada (sobre)vive do que já foi um dia.
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