A coisa que mais sinto falta, no momento em que vivo
numa cidade pequena e cuja característica não é ser propriamente ser académica/universitária, é ouvir pessoas com algo (realmente importante) para
dizer. Discutir o mundo, a metafísica, os grandes problemas da humanidade,
pensar. De preferência que não seja na
minha área. Lazer, dizem. (Definição de lazer: tempo de folga, de passatempo, de ócio, de descanso, distracção ou entretenimento, de uma pessoa). Em qualquer conversa com pessoas que pensam e falam
bem aprendo qualquer coisa. E tenho gostado, particularmente, de ouvir falar
sobre coisas que não domino.
A Web Summit (re)lembra-me isto. De facto, o pior a
apontar é o folclore e a nova profissão
de gente que não encaixa em lado nenhum mas que luta pela sua sobrevivência. Empreendedores,
chamam-lhes. Pequenas empresa que abrem e fecham à
velocidade do som ou da luz. Que não geram nada a não ser uma
ideia cheia de ar. Eu sei que o conceito é bom a querer imitar o suposto sucesso das start up de Sillicon Valley em que um
geek atrás de um computador é capaz de muita coisa. Ou a ideia revolucionária
de alguém sem horário, nem lugar,
sentado num café em São Francisco ou em NY, como tantas vezes vi, gerir
milhares de coisas, pessoas e ainda gerar muito dinheiro. Mas isso não é para todos e, muito menos, ao alcance de todos. Empreendedor, palavra que detesto, é uma
palavra simpática para “vendedor da banha da cobra”. Eu ouço a palavra e
apetece-me logo fugir. Não duvido nem quero comentar o encaixe financeiro para Lisboa de um evento como a Web Summit . A histeria dos
preços proibitivos de/para Lisboa falam por si. Ou o êxtase colectivo da abertura que mais
parece o festival da canção ou um mundial de futebol. O primeiro-ministro (PM) e o
Presidente da Câmara de Lisboa, a abrir o evento e cada um a ler o seu discurso inglês foi de chorar. Se fosse
de improviso, eu até admitiria o “bad english” (para citar o outro no discurso
em Columbia University) mas a ler... E o nosso PM até tem uma (boa) voz. O outro lado, pior, é lembrar-me as TED talks que só a palavra dá-me náuseas. Ainda se lembram
daquele personagem que o Relvas foi buscar porque o viu no
YouTube? Este é o lado negro do empreendedorismo. As pessoas que se aproveitam
da desgraça dos outros. Que se fazem pagar por um discurso vazio, carregado de
soundbytes, de falso optimismo, de promessas de milagres mas que produz um efeito imediato que não se traduzirá em nada no
futuro. A falsa sensação de felicidade momentânea.
Mas a Web Summit tem o outro lado que invejo muito.
E só não estou lá porque i) não tenho (mais) férias para tirar, ii) os preços
são tão absurdos que dava para ir uma semana para o Rio de Janeiro ou NY. Concordo
com a definição do João Miguel Tavares no Público “A Web Summit é a Igreja Universal do Reino da
Tecnologia, e Cosgrave o seu pastor”. Só invejo o número (bom) de oradores de
qualidade que ele consegue reunir num evento (a quem provavelmente paga ao preço do ouro). Mas, infelizmente,
para mim, a província é isto. É não ter lançamentos semanais de grandes livros,
nem lectures/talks de pessoas que têm algo de importante a dizer e ensinar, não
nos cruzarmos com os melhores, não ter que optar porque não se pode estar em todo o lado ao mesmo tempo, a tal impossibilidade
da ubiquidade e omnipresença. É isto que me faz falta. Quando estava em NY, o meu laboratório não era no
Campus principal , onde vivia. Eu trabalhava no Columbia Medical Center
onde estavam os hospitais e não (necessariamente) os intelectuais. Mas depois ia muitas vezes
para a Low Library, ainda mais bonita para mim do que a New York Public Library em Bryant Park e
sentava-me de braços cruzados só a olhar. Aquela ideia absurda mas romântica de
que aqueles livros, que também são a história literária dos
EUA, nos penetravam por osmose ou telepatia. Acontece-me muito isso, ir aos sítios onde pessoas que me interessam andaram, viveram, escreveram e morreram. Estar
apenas e perceber o que poderiam ter sentido. E acontece-me isso, ainda, com
pessoas que admiro. Partilharmos os mesmos metros quadrados e respirarmos o
mesmo ar. Não precisamos falar. Precisamos apenas de estar juntos ali, e
guardar isso na memória, não um filme ou uma foto no iphone. Um dia, numa
conferência, ouvi o Siddhartha Mukherjee dizer que tinha ido à casa da Emily Dickinson
em New England para perceber como é que aquela pessoa, apenas através daquela
janela e naquele mundo tão recôndito, foi capaz de escrever aquela poesia. É
assim que a minha vida é. De um nome vou para outro, conheço outro, um lugar,
uma cidade, um hotel, uma memória, um pensamento, uma ideia, como um novelo que
se desenrola num mar imenso, sem fim.
São momentos, instantes, interesses novos e
diferentes que fazem a vida ter sentido. Se a Web Summit é o interesse alvo para muitos qual o problema? Há quem preferira Álvaro de Campos a Alberto Caeiro. Que bom,
não?
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