A vida é feita de improvisos, sem guião.
Parte de quem está na sombra, o ponto,
de quem (quase) tudo depende. Cristina Vidal, ponto no Teatro D. Maria
II há 39 anos, sai da sombra e do anonimato e junta-se a cinco actores em palco
para narrar (também) 28 minutos de “brancas”, histórias reais e inventadas.
Pela primeira vez, sobe ao palco e sai da penumbra que é ajudar os actores, soprando-lhes
o texto. A diferença entre uma pausa dramática, um silêncio, uma falha de texto.
Ela que vive nas sombras, na invisibilidade, escondida nos bastidores: “A
discrição do ponto deve ser proporcional à indiscrição do actor”. A Cristina
Vidal juntam-se Beatriz Brás, Isabel Abreu, João Pedro Vaz, Sofia Dias e Vitor
Roriz.
A peça tem ritmos diferentes. Dá para
rir e para chorar. Sabe-se que partes são tragédias antigas, histórias friccionadas, outras, provavelmente, verdadeiras. Nunca saberemos. O tempo passa
como um temporal e como o vento.
Há uma cena de uma despedida que é tão
física e tão bem feita que é talvez, para mim, o melhor momento da peça. Um abraço
desesperado. Quem nunca o vivenciou e sentiu?
A voz alta de Cristina Vidal só se ouve
no final para dizer os versos finais de Berenice, os mesmos que foram a
primeira branca, o primeiro esquecimento, a primeira falha de texto de uma
infalível grande actriz. Termina a ler, com a voz suave e soletrada de quem
fuma, a branca e o silêncio que também teve quando não conseguiu ajudar uma
actriz. Porque o silêncio lhe pareceu tudo.
Qual o propósito do teatro se não
questionarmo-nos e provocar-nos emoções?
“É
preciso preservar os momentos em que nos dedicamos aos mistérios, em que nos
encontramos e dizemos: aqui estamos, talvez poucos, mas certos de que, perante
a perspectiva da morte, escolhemos ficar na vida. E sussurrar em vez de gritar,
recusar o ruído do mundo, escutar a respiração que emerge do silêncio e que
sempre esteve lá, mesmo quando não a queríamos ouvir. Preservar os lugares onde
podemos ouvir o vento, o sopro do pensamento, o espírito do lugar, o momento
breve e irrepetível em que nos vemos pela primeira vez. E, sobretudo, não
morrer".
Desta vez, o ponto, para além de ouvir,
sai para receber as merecidas palmas.
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