Adio este texto desde Agosto. Desde o dia que soube.
Visivelmente impassível. Mas as forças pareceram faltar-me nas pernas. Um leve
desiquilíbrio. Uma momentânea tontura. Um dia quentíssimo. Lindo. Longo.
Imenso. O meu sinal externo de desespero é sempre a nausea. Um dia sentiu uma
dor no peito. Era um cancro na mama. Uma
história tantas vezes ouvida e lida. A não ser que a morte nos chegue
fulminante, e sem aviso, acontecer-nos-á a todos, um dia.
A B., como se diz tecnicamente, tem um bom prognóstico. Foi
operada em tempo record e tem a sorte de ter um pai e um irmão médicos. E uma
prima oncologista no hospital onde é tratada. Tem, felizmente, o que falta a muitos:
uma roda de gente a ajudá-la neste momento difícil. Nada lhe falta. Tem amigos
de fazer inveja.Nas horas piores, o irmão tratou-lhe dos efeitos secundários
dos tratamentos. Primeiro cortou o
cabelo, pelos ombros, depois curto e depois rapou-o.
A B. tem mais 4 anos do que eu. Convivemos muito em
crianças. Foi sempre grande. Ou eu que sempre a vi assim. Bebemos muita
groselha. Jantamos tantas vezes naquela mesa redonda na sala da avó C. com um
braseiro no meio. A mesa das crianças. Na semana passada fez 30 anos que a avó
C. morreu. Como na morte dos meus avós foi ela que recebeu o aviso da morte
pelo telefone. Lembro-me desse dia. Apesar de terem passado 30 anos.
A B. foi quem andou comigo ao colo quando entrei no curso
que não queria. No tempo em que a internet era rudimentar. Foi ela que me
apareceu à frente na universidade e me salvou o dia e a vida. Foi ela que me
mostrou tudo. Um dia inteiro comigo. A B. não sabe o significado que teve na
minha vida por causa deste dia. Foi ela que me fez ver o futuro com optimismo. (Como a mãe dela me diz, até hoje, foi
quem levou a minha mãe para o hospital naquele dia quente, 21 de maio de 1979).
Quando nos dias piores, de desânimo, sem razão, sem
explicação, que não devíamos dar o significado exacerbado que não têm, é disto
que nos devemos lembrar. Há sempre melhor e pior. E vivo, por opção, sempre
como se o mundo fosse acabar amanhã. Quem gostamos pode faltar-nos a qualquer
momento, sem aviso, de surpresa. E eu não quero deixar nada por dizer nem por
fazer. Não vivo no futuro nem no passado. Vivo no presente. A aproveitá-lo e
sem grandes questionamentos ou arrependimentos. Sem certezas, com muitas
dúvidas. Mas sem nunca evitar nada. A aproveitar tudo. Na corda bamba. No
precipício.
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