terça-feira, 19 de dezembro de 2017

A B.

Adio este texto desde Agosto. Desde o dia que soube. Visivelmente impassível. Mas as forças pareceram faltar-me nas pernas. Um leve desiquilíbrio. Uma momentânea tontura. Um dia quentíssimo. Lindo. Longo. Imenso. O meu sinal externo de desespero é sempre a nausea. Um dia sentiu uma dor no peito.  Era um cancro na mama. Uma história tantas vezes ouvida e lida. A não ser que a morte nos chegue fulminante, e sem aviso, acontecer-nos-á a todos, um dia.

A B., como se diz tecnicamente, tem um bom prognóstico. Foi operada em tempo record e tem a sorte de ter um pai e um irmão médicos. E uma prima oncologista no hospital onde é tratada. Tem, felizmente, o que falta a muitos: uma roda de gente a ajudá-la neste momento difícil. Nada lhe falta. Tem amigos de fazer inveja.Nas horas piores, o irmão tratou-lhe dos efeitos secundários dos tratamentos.  Primeiro cortou o cabelo, pelos ombros, depois curto e depois rapou-o.

A B. tem mais 4 anos do que eu. Convivemos muito em crianças. Foi sempre grande. Ou eu que sempre a vi assim. Bebemos muita groselha. Jantamos tantas vezes naquela mesa redonda na sala da avó C. com um braseiro no meio. A mesa das crianças. Na semana passada fez 30 anos que a avó C. morreu. Como na morte dos meus avós foi ela que recebeu o aviso da morte pelo telefone. Lembro-me desse dia. Apesar de terem passado 30 anos.

A B. foi quem andou comigo ao colo quando entrei no curso que não queria. No tempo em que a internet era rudimentar. Foi ela que me apareceu à frente na universidade e me salvou o dia e a vida. Foi ela que me mostrou tudo. Um dia inteiro comigo. A B. não sabe o significado que teve na minha vida por causa deste dia. Foi ela que me fez ver o futuro com optimismo.  (Como a mãe dela me diz, até hoje, foi quem levou a minha mãe para o hospital naquele dia quente, 21 de maio de 1979).

Quando nos dias piores, de desânimo, sem razão, sem explicação, que não devíamos dar o significado exacerbado que não têm, é disto que nos devemos lembrar. Há sempre melhor e pior. E vivo, por opção, sempre como se o mundo fosse acabar amanhã. Quem gostamos pode faltar-nos a qualquer momento, sem aviso, de surpresa. E eu não quero deixar nada por dizer nem por fazer. Não vivo no futuro nem no passado. Vivo no presente. A aproveitá-lo e sem grandes questionamentos ou arrependimentos. Sem certezas, com muitas dúvidas. Mas sem nunca evitar nada. A aproveitar tudo. Na corda bamba. No precipício. 

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