quinta-feira, 22 de março de 2018

Mudança

Munida de uma mala grande, uma mala de mão e uma mochila tenho a sensação de que faltará sempre alguma coisa. Desta vez, como sempre, não será excepção. Combinara com o meu irmão duas horas e quarenta minutos antes, como pessoa prevenida que sou. Uma amiga iria ter comigo ao aeroporto. Na última confirmação do voo percebo que confundi 16 com 5 da tarde. As horas em 24 números em vez de doze (diferenciadas apenas pela terminologia de manhã ou de tarde) sempre foram uma dor de cabeça, como distinguir a esquerda e a direita. Percebo que estou atrasada e nenhum dos elevadores funcionava de manhã. Entro em pânico. Ligo ao meu irmão se há alguma possibilidade de me ir buscar imediatamente. Ligo à minha amiga para desistir de ir ter comigo ao aeroporto. Como detesto despedidas até o universo ajudou. A viagem até ao aeroporto parece um voo. Sem tempo nem para olhar para trás, o meu foco é entregar a bagagem. Descubro que a mala tem 12 kgs a mais. Finjo não reparar e a pessoa da companhia aérea decide ajudar e finge comigo. Não tenho tempo de pensar em nada. Tudo em mim é calor. Voo para Munique, sem sobressaltos, respirando fundo. Descubro, mais rápido do que esperava, que me esqueci do caderno onde tomo notas. Nada de muito dramático. Mas como gosto sempre de encontrar qualquer coisa, agarro-me ao que há. A espera em Munique é rápida. Sigo para Génova num avião assustadoramente pequeno. Finjo ignorar. Passados uns minutos, sentada no lugar que me foi atribuído (junto à janela e sem ninguém ao lado), começo a transpirar (coisa nada comum). Estou gelada, tremo, os dentes batem, as gotas de água escorrem-me pela testa e pescoço, a minha palidez denuncia-me porque tenho olhares a seguir-me. Tenho falta de ar. Estou em pânico mas tento não perder a pose. Demorada e disfarçadamente tiro as bombas de asma e finjo que tudo está controlado. Minutos depois estou bem, só o cabelo molhado mostra o que se passara. Tenho o R. à minha espera no aeroporto de sorriso aberto. Sinto-me em casa com ele. Saímos do aeroporto e o que mais me choca são as ruas cheias de prostitutas. Contrariamente ao que seria de esperar, são caucasianas, não têm aspecto de cadente, são jovens e são muitas. O R. deixou-me no hotel que eu escolhi pela proximidade do meu apartamento. Nunca mais voltarei a este hotel e desaconselho-o a toda a gente. Supostamente era um hotel quatro estrelas. Mas disso nem a decadência lhe restava. O recepcionista era antipático, ainda existia chave, as alcatifas estavam sem cor e em mau estado, o quarto era pequeno e desconfortável, a tv era do tamanho de um ecrã 15’’ e a limpeza deixava a desejar. Lembro-me de ter comentado com uma amiga o quão mau era o hotel e respondeu-me que era um bom sinal porque sentir-me-ia muito mais confortável no novo apartamento. Não vou alongar-me nos comentários sobre o pequeno-almoço porque nem nos motéis dos Estados Unidos é tão fraco. A segunda pessoa antipática que me apareceu foi o taxista que mostrou o seu desagrado quando lhe disse que o meu apartamento era a menos de 1 Km. Cheguei à hora marcada para assinar contrato e o apartamento pareceu-me bem melhor do que nas fotos. Na opinião dos locais, a localização não é das melhores mas eu acho conveniente. Fica a 2 minutos da entrada do metro, em frente ao porto de Génova, tem mercearia e quiosque e outras lojas de conveniência. As ofertas de cafés e restaurantes são poucas. E o bairro é multicultural e multi-étnico. Tal como no primeiro apartamento que vivi em NY, o prédio não tem elevador e vivo num quarto andar.

Passada a fase de tudo parecer fácil, como receber o ordenado numa conta portuguesa e o pagamento do depósito e renda através de transferência bancária de uma conta portuguesa para uma conta italiana, começou a aventura: ter internet e telemóvel. Fui a um centro comercial para encontrar várias  empresas possíveis. Logo na primeira, praticamente desisti. Não poderiam ter sido mais simpáticos comigo e falavam inglês.  Depois mais de uma hora, de várias explicações, tentativas de pagamento com cartão de crédito português chegaram a um veredicto: só poderia fazer contrato de internet com um cartão de crédito italiano ou um cartão especial que se adquire nos correios chamado POSTPAID EVOLUTION. Os simpáticos disseram-me para ir aos correios italianos (Poste Italiane). Depois de andar 15 minutos a pé, disseram-me que para ter este cartão só com o código fiscal original (eu só tinha uma cópia) e o “attestato di soggiorno”. Regresso à loja e informo os simpáticos que não é possível. Como estou num centro comercial, aproveito e compro um microondas e improvisei o transporte com um carrinho de ir às compras. Chegada a casa subo quatro andares com o microondas. Volto ao hotel, onde deixei a mala com 35 kgs e regresso a casa de táxi. Demorou exactamente 25 minutos entre paragens entre degraus, vãos de escada e vontade de deixar (simplesmente) cair a mala no sentido da gravidade... O resultado foi bolhas nas mãos idênticas a quem levanta ferro nos ginásios, obras e afins.





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