Fomos colegas de curso.
Não privamos muito. Via-a mais na noite do que nas aulas porque eu vivia de
noite e ela de dia e de noite. Tínhamos amigos comuns. Ela foi sempre boa
aluna, eu não. Ela era beta e eu também.
No dia que entrou no lab,
lembro-me muito bem, os poucos homens que havia no grupo pararam como se de um
filme em slow motion se tratasse. Não me lembro como nos
aproximamos. Mas lembro-me do jantar de doutoramento do T. em que ficamos
juntas. E do jantar de doutoramento da X. E do jantar de doutoramento da M.
Jantares que bebíamos muito e que não nos lembramos de metade. Era o tempo em
que não passávamos dos 20. Nesse tempo, não tínhamos hora certa de chegar ao
lab nem hora de sair. Vivíamos uma vida errante de almoços e jantares na
cantina da universidade e voltávamos para o lab sem hora de sair. Um tempo em
que se fumava em todo o lado. Perdemos a conta e a noção das vezes que choramos
de desespero antes de conferências. Mas havia sempre alguma alma caridosa que
nos desse a mão. Tempos em que não havia diferenças hierárquicas entre
estagiários, alunos de doutoramento e Postdocs. Tempos em que éramos todos
iguais. Tempos em que me lembro que havia momentos muito maus mas os bons
compensavam tudo. Tempos em que íamos buscar amostras de medula e cordão ao
hospital. Com ela comecei a aprender a ser organizada e a ter uma inveja boa de
quem tinha uma letra legível e que toda a gente entendia. A nossa amizade foi
sempre improvável. E com ela aprendi que a característica essencial de todos os
meus amigos é terem um coração grande. Nunca tive uma amiga tão diferente de
mim.
Quem a vê parece uma
pessoa fútil mas nunca foi. Ela é o exemplo que beleza e inteligência são
compatíveis. Ela ensinou-me sobre tendências e sempre me ajudou a escolher o outfit para ir a casamentos. Eu sempre lhe
mostrei o que ela poderia gostar de ler, apesar de ser cegueta, como eu
carinhosamente lhe digo até hoje. Partilhamos o gosto por Madonna.
Passamos tanta coisa
juntas. Fomos para Shanghai, talvez a viagem mais revolucionária da minha vida.
Partilhamos sempre o quarto, em todas as viagens juntas. Tal como eu, nunca
teve muito amor ao dinheiro. Gostamos de bons jantares demorados. Foi ela que
me ensinou a gostar de vinho branco. E quem mais me ensinou sobre vinhos. Fomos
para Pittsburgh juntas, outra das minhas grandes viagens. Para ela, menos boa.
Foi com ela ela que fui pela primeira e única vez ao Pinheiro. E foi nessa
noite que soubemos pela primeira vez, e para sempre, o verdadeiro significado
de sorte. As horas incontáveis que passamos na noite. Bebedeiras, jantares,
descobertas de restaurantes, Lisboa, Bairro Alto. Sempre próximas, sempre
íntimas.
Foi com ela que vivi a
história mais surreal de sempre, que hoje é um menino e tem quase 10 anos.
Entretanto, descobriu a diabetes. Durante o meu doutoramento estivemos sempre
próximas, mesmo com um oceano a separar-nos. Não estive no dia em que se
doutorou mas lembro-me do que lhe escrevi sentada num café em Cambridge, de
frente para Harvard. Já nos afastamos muito tempo por motivos nunca
esclarecidos. Mas, como todas as verdadeiras amizades, voltamos ao sítio onde
fomos felizes. E recomeçamos, não do zero, mas do ponto onde terminamos.
Já nos carregamos para a
cama. Já fomos o anjo da guarda uma da outra. É talvez uma das pessoas que
melhor me conhece. É das pessoas com quem menos uso filtros. Das pessoas que
melhor me conhece só de olhar. É um vulcão em erupção. Mas o que mais vou
sentir falta e de vê-la todos os dias, da intempestividade dela que tanto nos
faz rir e de ser a maior alegria naquela sala. Boa sorte, gaja boa! Sempre em
frente, sem olhar para trás!