terça-feira, 17 de outubro de 2017

Aestas horribilis

Vários países da Europa têm dimensões maiores e mais florestas do que Portugal. É um facto que este foi um verão longo, extremamente seco e com temperaturas altas. Mas a verdade é que tragédia de Pedrogão não nos ensinou nada. Morreram 66 pessoas, um incontável número de feridos, bens perdidos, casas, florestas irrecuperáveis nos próximos anos. A culpa não foi de ninguém. Aliás, culpa, é uma palavra proibida e associada a crenças religiosas judaico-cristãs. Troquemos então a palavra culpa por responsabilidade. Quem deve assumir? Em Pedrogão: ninguém até agora. Não se demitiu nem foram demitidas pessoas nesta tragédia que ceifou 66 vidas. Toda a gente nos atentados de Paris colocou “Je suis Charlie” mas 66 pessoas morrerem queimadas a fugir ou a proteger os seus bens não é tão mediático como ser morto por terroristas. Que medidas foram tomadas para que algo do género não se repetisse? Tudo se adia neste país.

Num outono pouco comum, com temperaturas de verão e chuva que teima em não cair, repete-se a tragédia. Portugal a norte do Tejo a arder. Quarenta e um (41) mortos. Um secretário de Estado da Administração Interna que acha que os cidadãos têm que ser proactivos. A sério? Um senhor com responsabilidades políticas achar que os civis podem ajudar em vez de atrapalhar numa tragédia? Quais as razões para se terem extinguido as vigias nas florestas, sabendo que as temperaturas continuariam altas? Qual a razão de os militares não terem sido convocados para ajudar na patrulha de estradas e/ou florestas para dar nem que fosse uma sensação ínfima de respeito e segurança e demover os supostos incendiários?  Relatos de estradas não cortadas por falta de efectivos? E declarações como “os bombeiros não podem estar em todo o lado”? Como é possível uma mata real, mandada plantar por Dom Dinis no séc. XIII,  que sobreviveu durante séculos e que é propriedade do Estado português ter 80% da sua área queimada num fim de semana? Como é possível uma das dirigentes da Protecção Civil ler (não falar de improviso) que Vieira do Minho e Guimarães são no distrito da Guarda. Como há margem para erros destes na leitura de comunicados? Tudo parece improvisado. Era como se me colocassem a mim a falar de microeconomia.

Eu vi em directo as declarações de  António Costa na madrugada de segunda nas instalações da Protecção Civil em Carnaxide: “não existem varinhas mágicas”. Foi inacreditável o que ouvi. Só lhe faltou dizer: “vamos esperar e sentar-nos à espera que tudo arda”. Alguém dizia, e bem, que a António Costa tem-lhe faltado sentimento, afecto, conforto. O homem parece um autómato insensível a tamanha tragédia. Ontem à noite, preferi manter a tv desligada, porque me bastava o cheiro e a visão que tenho de casa. Mas li que a postura de António Costa se manteve. Um discurso técnico, insensível, arrogante. Não é isto que se espera de um Primeiro-Ministro. Palavras de força e apoio, de energia, de alento. Esperávamos um homem mais sensível e mais humano. Um homem que se comovesse, que falasse mais com o coração e menos com a cabeça. Ele e a Ministra da Administração Interna suportada (apenas) por ele são pessoas sós no autismo dos seus gabinetes e na segurança das suas cosmopolitas casas.

Onde estão as consequências políticas do relatório de Pedrogão? Não é nos momentos adversos que se conhecem as pessoas? Como é possível nenhuma das deputadas das geringonça, sempre tão activas nas redes sociais a apontar erros aos outros, não fazerem um mea culpa e proporem alterações nas leis, como por ex,  aumentar drasticamente a moldura penal para quem deflagra incêndios que têm consequências que as três gerações futuras ainda poderão ver e sentir?

Hoje de manhã passei nos montes que rodeiam Braga e era um manto coberto de preto e fumo. Que tristeza que me deu. Impossível ficar indiferente a este cenário de devastação. E que inúteis nos sentimos quando a única ajuda que podemos pedir e clamar seja a universal natureza. Quando temos um Primeiro-Ministro que está mais preocupado em manter uma Ministra. E uma Ministra a dizer que seria mais fácil abandonar porque não teve férias. Estas atitudes de irresponsabilidade política fazem recuar-me uns anos e louvar quando tínhamos homens e políticos de verdade que assumiam politicamente erros que não tinham directamente intervenção deles, como foi o caso da demissão do então Ministro Jorge Coelho aquando da queda da ponte de Entre-os-Rios.

Que (mais) esta tragédia nos ensine alguma coisa. Que sejam nomeadas pessoas competentes para os cargos de chefia, gente com valor demonstrado na sociedade e na academia. Empreguem os boys dos partidos nos gabinetes e como putos de recados com bons salários e os seus fatos de bom corte, mas por favor, não coloquem (mais) gente incompetente a coordenar coisas para as quais não têm conhecimento.

O numero de mortos e feridos nestes incêndios foi uma tragédia. Pessoas que morreram na maior das aflições sem serem ajudadas. Como poderemos ficar indiferentes? Como poderemos não pedir responsabilidades? Como poderemos continuar com a nossa vidinha? Como podemos nos calar? E saber que uma Ministra com esta incompetência e esta falta de noção das suas limitações se mantenha no cargo, como uma lapa, repetindo “não me demito”, é de dar dó. Esta morte lenta na fogueira do poder não dignifica ninguém. Mas, de facto, já perdeu o tempo. Já nada do que fizer será uma atitude digna e sair de cabeça levantada.

Não estou a pedir a cabeça de ninguém. Somos todos humanos. Errar é humano. Mas errar duas vezes, no mesmo ano, separados apenas por meses, com consequências tão devastadoras é resignarmo-nos à nossa inutilidade. Informaram-me que 234 800 000 EUROS: é quanto o Estado prevê gastar em 2018 em combate a incêndios. Zero (0) EUROS: é quanto o Estado prevê gastar em 2018 em prevenção de incêndios. (Mais) palavras para quê? Deitemo-nos, pois, em posição fetal a chorar e acordemos quando já não restar mais nada para arder e mais nada para salvar.


Copyright: Pedro Remy

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