Como a própria Adriana diz nunca nada é igual todas as
noites. Apesar de ela cumprir um rigoroso alinhamento. Até as piadas obedecem a
um roteiro pré-definido. Tudo obedece estritamente a um guião como se de uma
peça teatral se tratasse. Adriana Calcanhotto é assim, tudo nela e nos seus
espectáculos é pura arte.Basta reparar na pontualidade, no cuidado do figurino,
nas luzes, e até na simplicidade do palco onde ela passa quase uma hora e meia.
No Porto, cidade que ela diz "estar no seu destino" (ela é quem sabe), cantou os já conhecidos poemas do Mário de Sá-Carneiro, O outro e Vislumbre. Seguiu-se
Eu vivo a sorrir: “pro caso de o destino me haver reservado
a alegria/ e o meu fado estar fadado a ser a sua sina”. Não parece tão
português?
A terceira foi Três,
dos irmãos António Cicero e Marina Lima, “ uma das tais que ela gostaria de ter
feito mas não fez”: “(...) Três/ eu quero tudo o que há/
o mundo e seu amor/ não quero ter que optar/ quero poder partir/ quero poder ficar/ poder fantasiar/ sem nexo e em qualquer lugar/ com seu sexo junto ao mar”.
Inverno,
escrita com António Cicero e que nunca falta nos concertos da Adriana, mais
referências ao destino, a saudade e ao mar: “...Lá mesmo esqueci/ Que
o destino/ Sempre me quis só/ no deserto sem saudade, sem remorso só/ Sem amarras, barco embriagado ao mar...”.
O
nome da cidade, a lindíssima canção que Caetano Veloso escreveu baseado num livro
de Clarice Lispector, A hora da Estrela.
Esta canção fala da chegada ao Rio de Janeiro da Macabé que é a personagem
central do livro.
A partir daqui começam os habituais
monólogos confessionais da Adriana: “Vocês podem perguntar o
que é que a próxima música tem a ver com Portugal e eu vou explicar. A Marisa
Monte faz de vez em quando um ‘amigo oculto’, um ‘amigo secreto’, isso tem um
nome diferente em cada lugar, enfim, é um sorteio...Ela fez o convite onde os
compositores faziam composições de um sorteio, do acaso. Ela me ligou
dizendo: “Traga uma melodia, uma
letra, um trecho, um refrão, uma
ideia...”. Eu levei o que eu tinha, uma melodia e no sorteio tirei o Dadi que é
um autor de melodias, não faz letras. Então eu fui embora e me esqueci do
assunto. Um tempo depois, algum tempo depois, eu esqueci logo porque a minha
memória é um poço sem fundo. Muito tempo depois, eu estava no camarim no
Coliseu de Lisboa pronta para entrar para fazer o espectáculo e me aviaram que
o Arnaldo Antunes estava na plateia: “ele quer falar com você porque
trouxe a letra da canção de vocês”. E eu
“A letra da nossa canção?!”. Isso tudo para dizer que nós concebemos essa
canção em Portugal, no camarim do Coliseu de Lisboa e o Dé Palmeira, meu
director musical, é que deu o título à canção: Para lá”.
Cantou também a inédita Olhos de onda que“batiza o alinhamento, qualquer que ele
seja, fiz enquanto ensaiava. Além de inaugurar nova safra, o que sempre é
motivo de alegria, a canção ajudou a dar o norte do recital. Constatei quando
essa canção nasceu que as outras já estavam também falando do que ela fala e da
língua portuguesa e do mar da língua e por aí vai”.
Olhos de onda
Ela parece comigo
Nalgumas coisas, doidas
Naquilo que crê não deixar transparecer
Ela parece comigo
Numas pequenas coisas
Gosta da lua cheia sobre a Lagoa
Porque será que ela tem os olhos de onda?
Porque será que ela tem medo de amar
Ela parece comigo
Nalgumas coisas, doidas
Naquilo que crê não deixar transparecer
Ela parece comigo
Numa porção de coisas
Gosta da lua inteira sobre Lisboa
Porque será que ela tem os olhos de onda?
Porque será que ela tem medo de amar?
Seu pensamento foi a seguinte. Para quem ainda tivesse
dúvidas que este concerto foi tão pensado para Portugal, como a própria
assumiu: “A uma hora dessas/ por onde andará seu pensamento/ Dará voltas na Terra/ ou no estacionamento? Onde
longe Londres Lisboa/ou na minha cama?...”.
As confissões
continuam com Motivos
reais banais: “ Essa é uma das minhas parcerias com o
Wally Salomão. Quando ele estava vivo nós trabalhavamos da seguinte forma: ele
mandava o poema e eu começava a musicar e aí ele ia fazendo uma modificações.
Modificações no vocabulário do Wally eram
apenas acréscimos, ele não fazia ideia o que eram cortes. Ele
acrescentava versos, mais 2 veros, mais 3 versos, mais 8 versos, mais
estrofes... e não havia como musicar e eu aí dizia “Parou aqui, tudo o mais que
você acrescentar você publica no seu livro. Este trecho, de um poema muito
extenso dele, eu fiz uma canção pequena que se chama Motivos reais banais.
A próxima canção foi um poema do Augusto de Campos “que é um poema
interactivo, para ser lido na tela do computador. E o Cid Campos, filho do
Augusto, musicou esse poema. O que ele diz nesse poema é que após 50 anos de
poesia concreta, ele está respondendo na verdade, aos detractores que disseram que ele com a poesia concreta ia
levar a poesia para um lugar sem saída, ia se encurralar, q a poesia ia se pôr
num beco sem saída. E ele fez esse poema lindo para dizer: “É isso mesmo”.
Por esta altura, alguém
do lado oposto da plateia gritou, também com o sotaque do outro lado do
Atlântico, “Adriana, você é a melhor!”, ao que ela respondeu envergonhada “Agora
você me desconcentrou”.
Seguiu-se Tua
popularizada por Maria Bethânia e Maldito
rádio que contou com um
colaborador, que ia mudando de estação de rádio e respectivas interferências.
Leva-nos à questão: O que é ou não música? O que é arte? O que é apenas barulho
que só polui?...
Devolva-me, não podia faltar mas faltou em Lisboa...
Cantou uma
desconhecida, que me apetecia ter tido coragem no fim do concerto, perguntar
qual o nome da canção com “você desperdiçou sexo do bom”.
Você não quis
Não deu valor
Que sendo amor de verdade
Desperdiçou sexo do bom
Meu próprio som, silêncio e outras raridades
Que faço eu?
Aonde vou?
Uma dor que me reparte
Aonde for
Para quem eu dou
A flor que em flor se debate?
....
Para terminar deixou as que toda a gente estava à
espera de ouvir: Esquadros, Mais feliz, Cantada e Vambora.
O primeiro encore foi com Fico assim sem você do seu alter-ego Partimpim e terminou com Maresia, trocou "um amor em cada porto”
por “um amor aqui no Porto” e onde soltou o cabelo e ventoinhas simulavam o
vento vindo do mar.
Depois de alguma insistência, La Calcanhotto voltou,
não devia estar à espera. O segundo encore parece não ter sido pensado. Ela
surge novamente no palco, um tanto ou quanto perdida, ao estilo de discos
pedidos: “O que vocês querem ouvir?” E terminou com Ela é carioca e Mentiras.
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