domingo, 9 de junho de 2013

Maria Bethânia e as palavras

Entrou no palco ao som de um batuque, com um sorriso aberto e fez logo uma vénia ao público. Maria Betânia, vestida com um casaco branco comprido e umas calças pretas que lhe cobriam parcialmente os pés nus. O mesmo colar de todas as apresentações e pulseiras múltiplas no punho esquerdo compunham o elegante figurino. Um palco minimalista sem adereços composto apenas por Bethânia, Paulo Dafilin na(s) viola(s) e Carlos César na percurssão. 
Uma sala tão bonita, pequena e aconchegante como é o Teatro S. João foi a sala perfeita para um espectáculo como este. Um público que me fez cada vez mais ter orgulho de ser portuguesa. Um espectáculo que foi sobretudo delicadeza, emoção, silêncios e a voz de Maria Bethânia a encher o teatro. Fiquei na terceira fila, tão perto do palco que dava para ver os cabelos cairem quando mexia no cabelo. Maria Bethânia a cantar é de arrepiar. Mas só a voz, sem o auxílio de nenhum instrumento é o dom dela. A voz poderosa e grave que parece não precisar de microfone. Mas Bethânia a ler é impossível de explicar. Ninguém diz poesia como Bethânia. O ritmo, a cadência, o tom, a encenação. Uma expressão dramática espectacular e gestos fortes. Uma cantora que escreve todos os dias e adora caderninhos. Tão delicada, tão educada, tão cerimoniosa, que não se cansou de repetir “Obrigada senhores”. Leu poemas de Carlos Drummond de Andrade, Sophia, Fernando Pessoa e heterónimos, Mário de Andrade, Vinícius de Moraes,Guimarães Rosa, António Ramos Rosa e muitos poetas populares brasileiros. Cantou Caetano, Amália, entre outros.
Maria Bethânia disse: “Criei esta leitura e escolhi textos que ao longo da minha vida tenho dito nos meus espectáculos de cantora. Alguns dos senhores que estão aqui hoje já me viram em cena onde ouso e gosto, também, de me expressar através da palavra falada. Eu gosto de falar, gosto de emprestar a minha voz à minha vida, às histórias, personagens, aos sentimentos que os autores nos revelam. Eu sei que ler, ouvir, dizer poesia, hoje, nesse tempo, nessa correria, nesse desapego, é um desafio. Mas essa ideia me comove e me atrai(...). Eu fiz essa leitura em vários lugares, sempre recebendo escolas com seus professores e alunos ou indo até eles, o que para mim, é uma grande honra. Eu fiz recentemente essa leitura na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa. Eu li poesia na casado meu poeta. Poeta da minha vida, fonte para a minha sede, poeta que sustenta a minha respiração, o ritmo desassossegado do meu coração.
Cantou trechos do poema “Ciclos”, um poema de Nestor de Oliveira, que foi professor de português dela e de Caetano Veloso numa escola pública do Recôncavo baiano. “Eu me emociono muito, porque, além da didáctica, aprendia-se a ler, a ouvir, a dizer poesia. Caetano Veloso, também seu aluno, foi quem musicou esses versos lindos. E eu falo disso só para lembrar que é possível, sim, ter uma educação boa e plena nas escolas públicas do Brasil”, falou.
Noutra das suas confidências declarou: “Felizmente, podemos ver o extraordinário trabalho de professores que vencem todas as dificuldades, ultrapassam seus limites e dedicam suas vidas, e com grande prazer conseguem cumprir tarefa tão nobre: educar. Eu fui aluna de escola pública. Eu, Maricotinha, recebi a comenda Ordem do desassossego (conferida pela Casa Fernando Pessoa) em reconhecimento aos maiores divulgadores da obra de Fernando Pessoa.
Depois de longas palmas e com o público de pé, Maria Bethânia regressou ao palco: “Leitura não tem bis mas eu estou tão feliz que vou improvisar”.



Sem comentários:

Enviar um comentário

facebook