Entrou no palco ao som de um batuque, com um sorriso
aberto e fez logo uma vénia ao público. Maria Betânia, vestida com um casaco branco comprido e umas
calças pretas que lhe cobriam parcialmente os pés nus. O mesmo colar de todas
as apresentações e pulseiras múltiplas no punho esquerdo compunham o elegante
figurino. Um palco minimalista sem adereços composto apenas por Bethânia, Paulo
Dafilin na(s) viola(s) e Carlos César na percurssão.
Uma sala tão bonita, pequena e
aconchegante como é o Teatro S. João foi a sala perfeita para um espectáculo
como este. Um público que me fez cada vez mais ter orgulho de ser portuguesa.
Um espectáculo que foi sobretudo delicadeza, emoção, silêncios e a voz de Maria
Bethânia a encher o teatro. Fiquei na terceira fila, tão perto do palco que
dava para ver os cabelos cairem quando mexia no cabelo. Maria Bethânia a cantar
é de arrepiar. Mas só a voz, sem o auxílio de nenhum instrumento é o dom dela.
A voz poderosa e grave que parece não precisar de microfone. Mas Bethânia a ler
é impossível de explicar. Ninguém diz poesia como Bethânia. O ritmo, a
cadência, o tom, a encenação. Uma expressão dramática espectacular e gestos
fortes. Uma cantora que escreve todos os dias e adora caderninhos. Tão delicada,
tão educada, tão cerimoniosa, que não se cansou de repetir “Obrigada senhores”.
Leu poemas de Carlos Drummond de Andrade, Sophia, Fernando Pessoa e heterónimos,
Mário de Andrade, Vinícius de Moraes,Guimarães Rosa, António Ramos Rosa e
muitos poetas populares brasileiros. Cantou Caetano, Amália, entre outros.
Maria Bethânia disse: “Criei esta leitura e escolhi
textos que ao longo da minha vida tenho dito nos meus espectáculos de cantora.
Alguns dos senhores que estão aqui hoje já me viram em cena onde ouso e gosto,
também, de me expressar através da palavra falada. Eu gosto de falar, gosto de
emprestar a minha voz à minha vida, às histórias, personagens, aos sentimentos
que os autores nos revelam. Eu sei que ler, ouvir, dizer poesia, hoje, nesse
tempo, nessa correria, nesse desapego, é um desafio. Mas essa ideia me comove e
me atrai(...). Eu fiz essa leitura em vários lugares, sempre recebendo escolas
com seus professores e alunos ou indo até eles, o que para mim, é uma grande
honra. Eu fiz recentemente essa leitura na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa. Eu
li poesia na casado meu poeta. Poeta da minha vida, fonte para a minha sede,
poeta que sustenta a minha respiração, o ritmo desassossegado do meu coração.
Cantou trechos do poema “Ciclos”, um poema de Nestor de
Oliveira, que foi professor de português dela e de Caetano Veloso numa escola
pública do Recôncavo baiano. “Eu me emociono muito, porque, além da didáctica,
aprendia-se a ler, a ouvir, a dizer poesia. Caetano Veloso, também seu aluno,
foi quem musicou esses versos lindos. E eu falo disso só para lembrar que é
possível, sim, ter uma educação boa e plena nas escolas públicas do Brasil”,
falou.
Noutra das suas confidências declarou: “Felizmente,
podemos ver o extraordinário trabalho de professores que vencem todas as
dificuldades, ultrapassam seus limites e dedicam suas vidas, e com grande prazer
conseguem cumprir tarefa tão nobre: educar. Eu fui aluna de escola pública. Eu,
Maricotinha, recebi a comenda Ordem do
desassossego (conferida pela Casa Fernando Pessoa) em reconhecimento aos
maiores divulgadores da obra de Fernando Pessoa.
Depois de longas palmas e com o público de pé, Maria
Bethânia regressou ao palco: “Leitura não tem bis mas eu estou tão feliz que
vou improvisar”.
Sem comentários:
Enviar um comentário